quarta-feira, 17 de abril de 2013


QUANDO DA PORTA DO CÉU DESCE A CIZÂNIA

João Eichbaum
joaoeichbaum@gmail.com

Jornal da capital publicou, semana passada, constrangedora matéria sobre o padre Lauro Trevisan, autor de um livro intitulado “Kiss – Uma Porta Para o Céu”: setenta páginas, escritas em quatro dias, depois da tragédia.
No pelourinho moral para o qual foi levado, nem o aspecto pessoal do padre foi poupado de uma crítica velada. A matéria jornalística, depois de mencionar a etapa octogenária do referido representante de Jesus Cristo em Santa Maria, faz uma alusão à sua cabeça desabastecida de cabelos brancos, ao mesmo tempo em que invoca a eficácia do tingimento.
Um extenso currículo de nada exemplares particularidades também foi exposto, lançando diante dos olhos do leitor a idéia, muito nítida, de que o sacerdote não é, ou nunca foi, chegado ao múnus pastoral. Em outras palavras, o texto jornalístico não favorece a impressão de que o padre Lauro Trevisan seja um protótipo de pastor, a quem Jesus Cristo confiaria suas ovelhas. Um tópico é deveras insinuante: “é um padre controverso que soma meio século de sacerdócio sem ter comandado uma paróquia”.
A enumeração de seu patrimônio é capaz até de cutucar com vara curta o Leão da Receita: “Trevisan tem muitos bens em Santa Maria. Dono de editora, livraria e teatro, costuma transitar pela cidade em carros importados”.
O texto  não foge de ligeira referência também à disciplina do padre, aludindo à censura que lhe teriam imposto “diferentes bispos”.
Pertencendo a uma sociedade religiosa, a dos palotinos, de tradição histórica em Santa Maria, Lauro Trevisan não está diretamente subordinado ao bispo, mas deve obediência aos dirigentes da entidade.
Entrevistado, o padre Edgar Ertl, vice-provincial, não teve meias palavras e chamou à pública atenção seu subordinado, porque ele não cumpre a promessa sacerdotal de pobreza, já que se intitula padre e empresário.
Tudo isso teve nascedouro na insatisfação dos familiares das vítimas da boate Kiss, pelo modo como Trevisan aborda o tema, viajando na maionese: duas ou três vítimas teriam “retornado do céu” para o caminhão frigorífico que transportava os corpos.
Atiçados para impedirem a circulação do livro, os familiares das vítimas despertaram a atenção da imprensa, que acabou trazendo o padre para o centro de um palco que Santa Maria até agora não abandonou.
Compreendem-se os sentimentos daqueles que perderam entes amados,  surpreendidos pela morte, quando estavam celebrando a vida e que, antes da morte, talvez tenham sido torturados pelo sofrimento, pela angústia de saberem que ali estava terminando tudo.
Até se pode perdoar, mas não se compreende a falta de sensibilidade ao limite que impõe o respeito pelas dores dos outros.
Mas, nada disso justifica o atropelo dos direitos, seja de quem for. Santa Maria necessita de paz, não de cizânia. Mesmo que essa passe pela " porta do céu".
Mas, pelo visto, antes de entrar na porta do céu, o padre vai ter que passar pela porta da Delegacia de Polícia: foi intimado para depor sobre o livro!
Que crime ele teria cometido? Ou a polícia agora já apura pecados também?


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