QUANDO DA PORTA DO CÉU DESCE A CIZÂNIA
João Eichbaum
joaoeichbaum@gmail.com
Jornal da capital publicou, semana passada,
constrangedora matéria sobre o padre Lauro Trevisan, autor de um livro
intitulado “Kiss – Uma Porta Para o Céu”: setenta páginas, escritas em quatro
dias, depois da tragédia.
No pelourinho moral para o qual foi levado, nem o
aspecto pessoal do padre foi poupado de uma crítica velada. A matéria
jornalística, depois de mencionar a etapa octogenária do referido representante
de Jesus Cristo em Santa Maria, faz uma alusão à sua cabeça desabastecida de
cabelos brancos, ao mesmo tempo em que invoca a eficácia do tingimento.
Um extenso currículo de nada exemplares particularidades
também foi exposto, lançando diante dos olhos do leitor a idéia, muito nítida,
de que o sacerdote não é, ou nunca foi, chegado ao múnus pastoral. Em outras
palavras, o texto jornalístico não favorece a impressão de que o padre Lauro
Trevisan seja um protótipo de pastor, a quem Jesus Cristo confiaria suas
ovelhas. Um tópico é deveras insinuante: “é um padre controverso que soma meio
século de sacerdócio sem ter comandado uma paróquia”.
A enumeração de seu patrimônio é capaz até de cutucar
com vara curta o Leão da Receita: “Trevisan tem muitos bens em Santa Maria.
Dono de editora, livraria e teatro, costuma transitar pela cidade em carros
importados”.
O texto não foge de ligeira referência também à
disciplina do padre, aludindo à censura que lhe teriam imposto “diferentes
bispos”.
Pertencendo a uma sociedade religiosa, a dos
palotinos, de tradição histórica em Santa Maria, Lauro Trevisan não está
diretamente subordinado ao bispo, mas deve obediência aos dirigentes da
entidade.
Entrevistado, o padre Edgar Ertl, vice-provincial, não
teve meias palavras e chamou à pública atenção seu subordinado, porque ele não
cumpre a promessa sacerdotal de pobreza, já que se intitula padre e empresário.
Tudo isso teve nascedouro na insatisfação dos
familiares das vítimas da boate Kiss, pelo modo como Trevisan aborda o tema,
viajando na maionese: duas ou três vítimas teriam “retornado do céu” para o
caminhão frigorífico que transportava os corpos.
Atiçados para impedirem a circulação do livro, os
familiares das vítimas despertaram a atenção da imprensa, que acabou trazendo o
padre para o centro de um palco que Santa Maria até agora não abandonou.
Compreendem-se os sentimentos daqueles que perderam
entes amados, surpreendidos pela morte, quando estavam celebrando a vida
e que, antes da morte, talvez tenham sido torturados pelo sofrimento, pela
angústia de saberem que ali estava terminando tudo.
Até se pode perdoar, mas não se compreende a falta de
sensibilidade ao limite que impõe o respeito pelas dores dos outros.
Mas, nada disso justifica o atropelo dos direitos,
seja de quem for. Santa Maria necessita de paz, não de cizânia. Mesmo que essa
passe pela " porta do céu".
Mas, pelo visto, antes de entrar na porta do céu, o
padre vai ter que passar pela porta da Delegacia de Polícia: foi intimado para
depor sobre o livro!
Que crime ele teria cometido? Ou a polícia agora já
apura pecados também?
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