NEM FUTEBOL
João Eichbaum
Depois do incêndio da boate Kiss, nem futebol houve mais em Santa Maria.
Quer tenham sido devorados repentinamente pelo
zelo, quer estejam estremecidos pelo
medo de responder por homicídio doloso, improbidade, homicídio culposo, “domínio do fato” e quejandos, os bombeiros e
outros funcionários começaram uma varredura sem precedentes, em qualquer
ambiente que reúna público.
O “stress” da mortandade coletiva é responsável
por tudo isso. E todos esquecem que a morte de uma só pessoa dói muito mais
para seus próximos do que centenas de mortes para pessoas que nem sequer
conhecem as vítimas.
Entendam o que quero dizer. Refiro-me à segurança
em geral. Refiro-me à mortandade que segue no trânsito, nos assaltos, e nas
discórdias particulares. Refiro-me à insegurança que domina os cidadãos
crumpridores dos deveres fiscais, que não dispõem de qualquer proteção.
Refiro-me aos assassinatos cujos autores ou não foram encontrados ou foram
poupados da execração pública nos salões da UFSM.
A proteção, que o Estado agora está procurando
dar, se limita às mortes e desgraças coletivas, às tragédias que causam
consternação e revoltas públicas, dão votos para alguns políticos, tiram votos
de outros, desmistificam quem vende a imagem de “ótimo” governante e sai pelo
Rio Grande afora, dando abraços nas vítimas ou em seus familiares, tentando
fazer o povo sonhar acordado.
Esse “stress” pela segurança coletiva, em
detrimento da segurança individual, tirou até o futebol de Santa Maria.
Tempos houve em que a programação mais
emocionante da cidade, nos domingos de tarde, era o futebol. O grande clássico
Rio-Nal mexia com todos. Nem mesmo as crianças, que acabavam indo para a
“matinée” do cinema Imperial, escapavam da grande emoção dominical.
E o cenário era sempre o mesmo: o velho
Eucaliptos. Pequeno, mas acolhedor, o estádio do glorioso ferrinho se tornava
menor ainda, com o grande número de aficcionados - como dizia A Razão naquele
tempo - que lá se aglomerava, para viver as grandes emoções do espetáculo.
Esse, não poucas, vezes incluía luta livre, com uma variada distribuição de
pontapés e bofetadas, seguidos de muitos “deixa disso” e correrias.
Mas, valia o Rio-Nal. Era o assunto que
dominava no Café Guarany, na confeitaria Segala, nos grupinhos que se formavam
na primeira quadra, durante a semana.
Os tempos eram outros. Não havia boates. Não
havia esses escurinhos cintilantes onde se reúnem moças à procura de namorados,
ou casais, buscando passatempo, em
número muito maior do que a torcida do Riograndense.
Naquele tempo havia a “zona”, da Riachuelo
para baixo, onde pontificava o Balalaika, cheio de portas e janelas, que não precisava de “alvará”, onde se
dançava bolero e onde nunca o fogo chegou.
Mas, hoje, tudo mudou. O medo dos
funcionários os fez puxar as aldravas dos estádios e não permite que se possa
assistir a uma partida de futebol na cidade.
Boate, então, nem pensar. Lugar de diversão
para os santamarienses agora é só a cama.
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