Para esclarecer o óbvio sobre a PEC 37
Por Ives Gandra da
Silva Martins
A meu ver, não
haveria necessidade de um projeto de emenda constitucional para assegurar aos
delegados de polícia a exclusividade para presidir os inquéritos
policiais.
Já a têm na
Constituição Federal, pois o § 4º do artigo 144 está assim redigido: "Às
polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem,
ressalvada a competência da União, as funções de Polícia Judiciária e a
apuração de infrações penais, exceto as militares".
O Ministério
Público não é polícia judiciária. Tem o direito de requisitar às autoridades
policiais diligências investigatórias (artigo 129, inciso VIII), assim
como a instauração de inquérito policial aos delegados, que, todavia, serão
aqueles que os instaurarão.
O exercício do
controle externo da atividade policial (inciso VII do artigo 130) de rigor é
controle semelhante ao que exerce sobre todos os poderes públicos (inciso
II), para que não haja desvios de conduta.
Não há que
confundir a relevante função de defesa da sociedade e de zelar pelo bom
funcionamento das instituições com aquela de dirigir um inquérito, que é
função exclusiva da Polícia Judiciária.
À evidência, com
o direito de requisição, o Ministério Público pode pedir aos delegados todas as
investigações de que precisar, como também o tem o advogado de defesa,
que se coloca no inquérito judicial no mesmo plano do Ministério Público. Não
sem razão, o constituinte definiu a advocacia e o Ministério Público como
"funções essenciais à administração de Justiça" (artigos 127 a 135).
O direito de defesa, a ser exercido pelo advogado, é o mais sagrado direito de uma democracia, direito este inexistente nas ditaduras. Não sem razão, também, o constituinte colocou no inciso LV do art. 5º, como cláusula pétrea, que aos acusados é assegurada a "ampla defesa administrativa e judicial", sendo o adjetivo "ampla" de uma densidade vocabular inquestionável.
Permitir ao Ministério Público que seja, no inquérito policial, parte (acusação) e juiz (condutor da investigação) ao mesmo tempo é reduzir a "ampla defesa" constitucional à sua expressão nenhuma. Se o magistrado, na dúvida, deve absolver (in dubio pro reo), o Ministério Público, na dúvida, deve acusar para ver se durante o processo as suas suspeitas são consistentes.
O direito de defesa, a ser exercido pelo advogado, é o mais sagrado direito de uma democracia, direito este inexistente nas ditaduras. Não sem razão, também, o constituinte colocou no inciso LV do art. 5º, como cláusula pétrea, que aos acusados é assegurada a "ampla defesa administrativa e judicial", sendo o adjetivo "ampla" de uma densidade vocabular inquestionável.
Permitir ao Ministério Público que seja, no inquérito policial, parte (acusação) e juiz (condutor da investigação) ao mesmo tempo é reduzir a "ampla defesa" constitucional à sua expressão nenhuma. Se o magistrado, na dúvida, deve absolver (in dubio pro reo), o Ministério Público, na dúvida, deve acusar para ver se durante o processo as suas suspeitas são consistentes.
Pelo texto
constitucional, portanto, não haveria necessidade de um projeto para explicar o
que já está na Constituição. Foi porque, todavia, nos últimos tempos,
houve invasões nas competências próprias dos delegados que se propôs um projeto
de emenda constitucional para que o óbvio ficasse
"incontestavelmente óbvio".
Eis por que
juristas da expressão do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan
Sartori, do presidente do Comissão de Ética Pública da Presidência da
República, Américo Lacombe, de Márcio Thomaz Bastos, Vicente Greco Filho, José
Afonso da Silva, José Roberto Batocchio, Luiz Flávio D'Urso e Marcos da
Costa colocaram-se a favor da PEC 37.
Com todo o
respeito aos eminentes membros do parquet, parece-me que deveriam concentrar-se
nas suas relevantes funções, que já não são poucas nem pequenas.
Uma última
observação. Num debate de nível, como o que se coloca a respeito da matéria,
não me parece que agiu bem o Ministério Público quando intitulou a PEC 37
de "PEC da corrupção e da impunidade", como se todos os membros do
Ministério Público fossem incorruptíveis e todos os delegados, corruptos.
Argumento dessa
natureza não engrandece a instituição, visto que a Constituição lhe outorgou
função essencial, particularmente necessária ao equilíbrio dos Poderes,
como o tem a advocacia e o Poder Judiciário, em cujo tripé se fundamenta o
ideal de justiça na República brasileira.
Ives Gandra da Silva Martins, Advogado, é Professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do
Exército e da Escola Superior de Guerra.
Ives Gandra da Silva Martins, Advogado, é Professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do
Exército e da Escola Superior de Guerra.
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