quarta-feira, 2 de outubro de 2013

MARIA DA PENHA

João Eichbaum

Séculos e séculos depois de ter criado deuses e ser convertido em ser humano, o bípede falante bolou um selo social para dignificar o acasalamento: o casamento. A finalidade do casamento seria a de servir de lacre do acasalamento, para sempre, “até que a morte vos separe, amém”. Era uma tentativa de resolver o problema da deflação da testosterona, do apodrecimento dos afetos, que o vulgo chama de falta de tesão.
Mas não adiantou. A história do primata convertido em ser humano continuou a mesma: o casamento começa com paixão e termina, o mais das vezes, também por paixão, quando entra um terceiro personagem na novela. Senão, é por pura falta de tesão, mesmo.
Não sei se foi o caso da Maria da Penha Maia Fernandes, uma biofarmacêutica lá do Ceará, casada com certo Marco Antônio Herredia Viveros, professor universitário. Só sei que a paixão deles terminou e, terminada a paixão, o Marco Antônio quis terminar com a Maria da Penha também: meteu bala nas costas da mulher, enquanto ela dormia, para cumprir a lei do “até que a morte vos separe, amém”.
Para se livrar da bronca e imaginando que a mulher tinha morrido, Marco Antônio foi para a rua, de madrugada, berrando que tinham sido assaltados. Pelo visto, a estória colou. Mas, Maria da Penha, paraplégica, não teve como mais viver, sem cadeira de rodas.
Aí veio o segundo ato, meses depois. Marco Antônio deu um empurrão raivoso na cadeira de rodas para terminar de vez com o casamento e com a Maria da Penha. Como não deu certo, partiu para a segunda alternativa: tentou eletrocutá-la debaixo do chuveiro elétrico.
Com um privilégio de felino caseiro, Maria da Penha sobreviveu a tudo isso e botou a boca no trombone. Marco Antônio foi processado, mas só foi a julgamento oito anos depois. Condenado, recorreu e teve o julgamento anulado. Ao contrário do que todo mundo queria para o José Dirceu, o marido da Maria da Penha teve direito a mais um recurso. Enfim, mais de quinze anos depois, foi definitivamente condenado e acabou metido em cana por dois anos.
O caso, levado ao departamento de direitos humanos da OEA. custou para o Brasil uma admoestação  e aí então nasceu a chamada Lei Maria da Penha.
Apesar do artigo 5º dessa colcha de retalhos chamada Constituição Federal, que proíbe qualquer distinção e ainda acentua, no inciso I, que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, foi sancionada a “Maria da Penha” que oferece à mulher um processo "vip".
Mas, tem o seguinte: agora que homem pode ser mulher, e mulher pode ser homem, conforme foi decretado pelo Luiz Fux - o roqueiro aquele de cabelo implantado, que usa toga - como é que fica a Lei Maria da Penha? Quem será a mulher nessas brigas violentas de casais homossexuais, com terríveis arrancadas de cabelos, e mortais arranhões na cara, sem contar as mordidas? Será todo mundo submetido ao processo "vip" da fêmea? Ou vai ser na base do sorteio?
A perguntinha é tola, eu sei, mas serve para mostrar que resolver conflitos não é a mesma coisa que destrinchar promiscuidades.
E tem mais: nós, os machos discriminados, somos jogados na vala comum dos processos, sem a isonomia constitucional, depois daquela  sumanta com rolo de massa, só porque chegamos em casa cedinho, antes da missa das seis, com uma cópia escarlate de tenros lábios na cueca.




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