MARIA DA PENHA
João Eichbaum
Séculos e séculos
depois de ter criado deuses e ser convertido em ser humano, o bípede falante
bolou um selo social para dignificar o acasalamento: o casamento. A finalidade
do casamento seria a de servir de lacre do acasalamento, para sempre, “até que
a morte vos separe, amém”. Era uma tentativa de resolver o problema da deflação
da testosterona, do apodrecimento dos afetos, que o vulgo chama de falta de
tesão.
Mas não adiantou. A
história do primata convertido em ser humano continuou a mesma: o casamento
começa com paixão e termina, o mais das vezes, também por paixão, quando entra
um terceiro personagem na novela. Senão, é por pura falta de tesão, mesmo.
Não sei se foi o caso
da Maria da Penha Maia Fernandes, uma biofarmacêutica lá do Ceará, casada com
certo Marco Antônio Herredia Viveros, professor universitário. Só sei que a
paixão deles terminou e, terminada a paixão, o Marco Antônio quis terminar com
a Maria da Penha também: meteu bala nas costas da mulher, enquanto ela dormia,
para cumprir a lei do “até que a morte vos separe, amém”.
Para se livrar da
bronca e imaginando que a mulher tinha morrido, Marco Antônio foi para a rua,
de madrugada, berrando que tinham sido assaltados. Pelo visto, a estória colou.
Mas, Maria da Penha, paraplégica, não teve como mais viver, sem cadeira de
rodas.
Aí veio o segundo ato,
meses depois. Marco Antônio deu um empurrão raivoso na cadeira de rodas para
terminar de vez com o casamento e com a Maria da Penha. Como não deu certo,
partiu para a segunda alternativa: tentou eletrocutá-la debaixo do chuveiro
elétrico.
Com um privilégio de
felino caseiro, Maria da Penha sobreviveu a tudo isso e botou a boca no
trombone. Marco Antônio foi processado, mas só foi a julgamento oito anos
depois. Condenado, recorreu e teve o julgamento anulado. Ao contrário do que
todo mundo queria para o José Dirceu, o marido da Maria da Penha teve direito a
mais um recurso. Enfim, mais de quinze anos depois, foi definitivamente
condenado e acabou metido em cana por dois anos.
O caso, levado ao
departamento de direitos humanos da OEA. custou para o Brasil uma
admoestação e aí então nasceu a chamada
Lei Maria da Penha.
Apesar do artigo 5º
dessa colcha de retalhos chamada Constituição Federal, que proíbe qualquer
distinção e ainda acentua, no inciso I, que “homens e mulheres são iguais em
direitos e obrigações”, foi sancionada a “Maria da Penha” que oferece à mulher
um processo "vip".
Mas, tem o seguinte:
agora que homem pode ser mulher, e mulher pode ser homem, conforme foi
decretado pelo Luiz Fux - o roqueiro aquele de cabelo implantado, que usa toga
- como é que fica a Lei Maria da Penha? Quem será a mulher nessas brigas
violentas de casais homossexuais, com terríveis arrancadas de cabelos, e
mortais arranhões na cara, sem contar as mordidas? Será todo mundo submetido ao
processo "vip" da fêmea? Ou vai ser na base do sorteio?
A perguntinha é tola,
eu sei, mas serve para mostrar que resolver conflitos não é a mesma coisa que
destrinchar promiscuidades.
E tem mais: nós, os machos
discriminados, somos jogados na vala comum dos processos, sem a isonomia
constitucional, depois daquela sumanta
com rolo de massa, só porque chegamos em casa cedinho, antes da missa das seis,
com uma cópia escarlate de tenros lábios na cueca.
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