quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O “PENEIRÃO” DE JESUS CRISTO

João Eichbaum

joaoeichbaum@gmail.com

Tal qual o Lula, Jesus Cristo gostava de usar parábolas, metáforas e alegorias nos seus discursos, para se dar bem com a língua do povão.
Mas, nem sempre escolhia a história certa, fechando em gênero, número e caso com a moral que ele queria botar no fim do capítulo. Por exemplo, aquela parábola das bodas, contada por Mateus, 22, 1 a 14. Ali, o Nazareno compara “o reino dos céus” a um rei que estava organizando a festa de casamento do filho. Mas o pessoal que constava da lista de convidados não estava a fim de festa e foi dando desculpa para não comparecer ao evento nupcial: tenho que trabalhar no campo, tenho frete para fazer, estou com a agenda tomada, etc. Houve alguns até que, de mal com a vida, e certamente descontentes com o governo, mataram os mensageiros que os foram convidar.
Tudo contado pelo próprio Cristo, segundo Mateus, o fiscal de rendas.
Não deu outra, claro. Pê da cara com tamanha desfeita, ao invés de adiar o casamento, o rei ordenou: boca livre pra todo mundo. E mandou o pessoal convidar quem encontrasse pela rua, fosse quem fosse, para encher a cara na festa.
Só que, lá pelas tantas, tendo resolvido dar uma passada nas mesas para conferir o ânimo da turma,  o rei topou com um “penetra”. O cara não estava vestindo traje social. Certamente estava de calça jeans e tênis, ou quem sabe até, de chinelo de dedo e bermuda colorida.
Qual é, cara, quem que te permitiu entrar aqui desse jeito?- perguntou o rei.
O penetra não soube o que dizer. Então o rei mandou amarrar  as mãos e os pés do pobre diabo, para o lançarem nas trevas, onde haveria “choro e ranger de dentes”.
Jesus Cristo terminou sua história com a seguinte moral: “porque muitos são os chamados e poucos os escolhidos”.
Nada a ver, né?
Sem saber como extrair uma lição cristã dessa truculência praticada no “reino dos céus”, os pregadores do evangelho certamente coçaram muito a cabeça. Não encontrando outra saída, se aproveitaram da conclusão do Nazareno, para explicar o motivo pelo qual, no tempo em que havia seminários e conventos, tanta gente entrava lá, mas pouquíssimos agüentavam o tirão, para receber a ordem sacerdotal: muitos foram os chamados, poucos, porém. foram os escolhidos para assinar contrato e jogar no time principal. Outros, nem pra gandula serviram.
Mas os evangelhos, os doutores da Igreja e outros profissionais do gênero ficaram a nos dever também, no curso de toda a história do cristianismo, os critérios que presidiam esse “peneirão” de Jesus Cristo.
Ou seria pura e simples discriminação?
Em todo o caso, nem a moral que Jesus Cristo atribuiu à parábola, nem a versão dos exegetas da bíblia combina com a realidade. Por exemplo, em Santa Maria, uma cidade de expressiva vocação religiosa, dominada por templos e santuários, em qualquer canto a gente topa com ex- candidatos aos votos de castidade, ex-seminaristas, ex-juvenistas, ex-irmãos maristas, ex-padres e ex-freiras, trafegando com muita desenvoltura pelo torvelinho social, sem o mínimo jeito de quem esteve chorando e rangendo os dentes, por ter sido lançado nas trevas, ficando fora do time. E ninguém mostra a cara assustada de quem acabou de encontrar o diabo na outra esquina.

 



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