O POETA E O ADORMECEDOR DE BOI
João Eichbaum
Para quem conhece o Direito Penal como ciência, e
não como instrumento de favorecimentos pessoais, ou para quem não é analfabeto
funcional, salta aos olhos a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/06.
Em não tipificando tecnicamente uma conduta delituosa, mas impondo penas ao
agente, o dispositivo afronta o inc. XXXIX do art. 5º da CF.
Observe-se como está redigido o mencionado artigo
28: Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer
consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I –
advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à
comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso
educativo.
No mundo inteiro, desde
que o Direito Penal foi adotado como ciência, a tipificação do delito obedece a
uma construção verbal “sui generis”: não tem sujeito. Por exemplo: “matar
alguém”, define o delito de homicídio. O núcleo da norma penal está no verbo,
na ação.
A Lei 11.343 é
tormentosamente ambígua: não define como crime a aquisição, a guarda, o
depósito e o porte de drogas para uso pessoal da forma como o faz no capítulo II, do Título
IV, onde elenca, segundo o figurino penal, as condutas delituosas. Os crimes,
tecnicamente tipificados, estão em capítulo e título diferentes das condutas
que supõem a aquisição, a guarda, o depósito e o porte da droga para uso
pessoal.
Quer pela descrição da conduta, quer pelo seu deslocamento no estatuto legal, não se pode tê-la como tipificação de crime. As regras de hermenêutica penal proíbem a interpretação analógica in malam partem.
Sobre essa estranha ou
burra forma de legislar, se estabelece, no mínimo, uma pergunta: o que
pretendeu o legislador, com tais disparates? Ora, na dúvida, não cabe outra
interpretação, senão a favor do réu. E para quem sabe que “não existe crime sem
lei, nem pena sem crime” a inconstitucionalidade se desata frente ao inc. XXXIX
do art. 5º da CF, que consagra a
regra milenar: nullum crimen, nulla poena sine lege.
No entanto, o STF, entre
outras, adotou a seguinte decisão do poeta Carlos Ayres Brito: “A punição, na hipótese, é de rigor para salvaguardar a
sociedade do mal potencial causado pelo porte de droga, apto a ensejar o incremento
do tráfico de entorpecentes, a par de outros delitos associados ao uso indevido
da droga. Ademais, deve ser ponderado que o E. Supremo Tribunal Federal, a quem
compete o controle de constitucionalidade das normas, em momento algum
reconheceu a indigitada inconstitucionalidade, razão pela qual o dispositivo de
lei há que ser observado e cumprido.” (STF, RE 635660 SP).
E
agora, para a alegria dos traficantes, dos filhos e das amantes de figurões da
república, vem o Gilmar Mendes, com aquele jeito de sapo engasgado com batata
quente, dizer que a lei é inconstitucional. Para isso, ele esgravata literatura
estrangeira em busca de erudição, mói ideias alheias, enrola, faz digressões
inúteis, num discurso empolado, tortuoso e prolixo. E acaba legislando, transformando
pena em sanção administrativa. Tudo a ver com os habitantes daquele cemitério
de humildades, que é o STF.
A
diferença entre o Ayres Brito e o Gilmar Mendes está nisso: o primeiro faz
poesia, e o outro, canções de ninar bovinos. Mas nenhum deles enxerga o óbvio,
que é a burrice do legislador, ferindo o inc. XXXIX do art. 5º da Constituição
Federal.
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