O LIVRO DO PAPA
João Eichbaum
Em sua vitrine de picaretagens, a Livraria
da Folha expõe um livro, intitulado O NOME DE DEUS É MISERICÓRDIA, de autoria
do papa Francisco.
A mitologia religiosa criou deuses para
todos os gostos e ocasiões. O deus do papa Francisco, que os cristãos grafam com
letra maiúscula, é um tipo de velho ranzinza, lunático, sem paciência, além de hematófilo
e vingativo.
Reza a mitologia judaico-cristã que,
depois de criar o mundo, ele moldou um boneco de barro, com um sopro tornou-o
vivente, e o chamou de homem. Ocorreu-lhe, porém, que a criaturinha poderia se
aborrecer com a solidão. Então ele inaugurou a era dos transplantes: tirou do
boneco vivente uma costela e a transformou em mulher.
Só que a mulher, ao contrário do que
pensava seu criador, longe de melhorar o nível de vida do macho, trouxe-lhe
sérias complicações. Seduzida pela serpente, a companheira feita de costela por
sua vez enrolou o homem e o levou a praticar o primeiro pecado.
Sem chances de perdão ou misericórdia, macho
e a fêmea foram expulsos do paraíso e condenados a ganhar o pão com o suor do
próprio rosto. Receberam, é verdade, como prêmio de consolação, a ordem de trepar
(naquele tempo ainda não existia a mulher do próximo) para povoar o mundo. Mas
não foram muito felizes com as primeiras crias: um filho matou o outro. A partir
daí, a maldade se tornou simples decorrência da mistura de costela com barro.
Foi então que o Deus do papa Francisco
mostrou seu lado doentio: o da fúria, do ódio, da vingança, o impulso para a
destruição, respondendo com castigos aos pecados dos homens. Seu paladar
hematófilo foi aplacado, ao longo da história bíblica, com o sangue inocente de
pombas, ovelhas e cordeiros. Mas isso não o satisfez. Um dia ele exigiu o
sangue de seu próprio filho.
O currículo bíblico dessa divindade não
registra, nos intervalos das fúrias, um gesto de amor, de piedade, de
misericórdia para com os seres que foram jogados neste mundo louco, sem outra
finalidade, senão a de prestarem contas de tudo, na outra vida, sem direito de
defesa no Juízo Final.
Nem com contorcionismo literário, o papa
Francisco poderia pintar seu Deus de modo diferente, mostrando uma
personalidade distinta daquela que tem atravessado os séculos através da
Bíblia. Por isso, seu livro cai muito bem entre as picaretagens da Folha.
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