segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

O LIVRO DO PAPA

João Eichbaum

Em sua vitrine de picaretagens, a Livraria da Folha expõe um livro, intitulado O NOME DE DEUS É MISERICÓRDIA, de autoria do papa Francisco.

A mitologia religiosa criou deuses para todos os gostos e ocasiões. O deus do papa Francisco, que os cristãos grafam com letra maiúscula, é um tipo de velho ranzinza, lunático, sem paciência, além de hematófilo e vingativo.

Reza a mitologia judaico-cristã que, depois de criar o mundo, ele moldou um boneco de barro, com um sopro tornou-o vivente, e o chamou de homem. Ocorreu-lhe, porém, que a criaturinha poderia se aborrecer com a solidão. Então ele inaugurou a era dos transplantes: tirou do boneco vivente uma costela e a transformou em mulher.

Só que a mulher, ao contrário do que pensava seu criador, longe de melhorar o nível de vida do macho, trouxe-lhe sérias complicações. Seduzida pela serpente, a companheira feita de costela por sua vez enrolou o homem e o levou a praticar o primeiro pecado.

Sem chances de perdão ou misericórdia, macho e a fêmea foram expulsos do paraíso e condenados a ganhar o pão com o suor do próprio rosto. Receberam, é verdade, como prêmio de consolação, a ordem de trepar (naquele tempo ainda não existia a mulher do próximo) para povoar o mundo. Mas não foram muito felizes com as primeiras crias: um filho matou o outro. A partir daí, a maldade se tornou simples decorrência da mistura de costela com barro.

Foi então que o Deus do papa Francisco mostrou seu lado doentio: o da fúria, do ódio, da vingança, o impulso para a destruição, respondendo com castigos aos pecados dos homens. Seu paladar hematófilo foi aplacado, ao longo da história bíblica, com o sangue inocente de pombas, ovelhas e cordeiros. Mas isso não o satisfez. Um dia ele exigiu o sangue de seu próprio filho.

O currículo bíblico dessa divindade não registra, nos intervalos das fúrias, um gesto de amor, de piedade, de misericórdia para com os seres que foram jogados neste mundo louco, sem outra finalidade, senão a de prestarem contas de tudo, na outra vida, sem direito de defesa no Juízo Final.

Nem com contorcionismo literário, o papa Francisco poderia pintar seu Deus de modo diferente, mostrando uma personalidade distinta daquela que tem atravessado os séculos através da Bíblia. Por isso, seu livro cai muito bem entre as picaretagens da Folha.


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