FALTA
DE LEITURA
João
Eichbaum
Quando
se fala de analfabetos funcionais, ninguém pensa em senhores de terno e gravata
ou madames charmosas, bem apessoadas.
Ninguém imagina, enquadradas nesse tipo, pessoas que desfilam dentro de carrões
luxuosos, ou gente que exibe diploma de bacharel em Direito.
Mas,
basta uma olhada nas notícias, para se ter a certeza de que poucos escapam
desse descalabro cultural. Por exemplo, na primeira fase do exame da OAB deste
ano, foram aprovados menos de 14% dos candidatos. A queixa de que a prova foi
muito difícil tem uma única explicação: os examinadores não sabem escrever
(formular adequadamente os enunciados) e os examinados não sabem ler as
questões.
O
“enrolês” usado desde a petição inicial até o último julgado, na maioria dos
processos judiciais, serve como prova de que o analfabetismo funcional irriga o
bestunto de muitos operadores do Direito.
Se
no Judiciário é assim, imagine-se no Legislativo. Olhem o que diz a
Constituição no art. 37: “A
administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...”
O erro já começa com o
constituinte, limitando à “administração pública” os princípios norteadores da
atividade estatal. A interpretação verdadeira só socorre a quem sabe ler,
porque o conceito de “administração” está muito aquém do pleno exercício dos
poderes do Estado.
A legalidade, a impessoalidade,
a moralidade, a publicidade e a eficiência constituem a seiva que deve
alimentar o Estado de Direito como um todo e não apenas a sua “administração”.
A gafe cometida pelos
constituintes revela sua indigência cultural.
Ao invés dessa coisa vaga, denominada “administração pública direta e
indireta de qualquer dos Poderes”, há
uma expressão que define toda a área de abrangência daqueles princípios. Mas no
vocabulário pobre dos congressistas não havia lugar para ela: o exercício dos
Poderes.
Foi também por não saberem ler,
que os membros da Comissão de Reforma Política da Câmara extrapolaram os
limites do bom senso, destinando três bilhões e seiscentos milhões de reais
para o fundo partidário.
Essa exorbitância debocha da
miséria do país e desvia para a safadeza política recursos que podem ser
destinados à saúde, à segurança, à educação, ou aplicados em obras geradoras de
emprego. E num orçamento desvalido pelo deficit, exibindo um rombo fiscal só
menor que as sacanagens de Brasília, isso não merece outro nome. É imoralidade.
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