terça-feira, 15 de agosto de 2017

FALTA DE LEITURA
João Eichbaum

Quando se fala de analfabetos funcionais, ninguém pensa em senhores de terno e gravata ou  madames charmosas, bem apessoadas. Ninguém imagina, enquadradas nesse tipo, pessoas que desfilam dentro de carrões luxuosos, ou gente que exibe diploma de bacharel em Direito.

Mas, basta uma olhada nas notícias, para se ter a certeza de que poucos escapam desse descalabro cultural. Por exemplo, na primeira fase do exame da OAB deste ano, foram aprovados menos de 14% dos candidatos. A queixa de que a prova foi muito difícil tem uma única explicação: os examinadores não sabem escrever (formular adequadamente os enunciados) e os examinados não sabem ler as questões.

O “enrolês” usado desde a petição inicial até o último julgado, na maioria dos processos judiciais, serve como prova de que o analfabetismo funcional irriga o bestunto de muitos operadores do Direito.

Se no Judiciário é assim, imagine-se no Legislativo. Olhem o que diz a Constituição no art. 37: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...”

O erro já começa com o constituinte, limitando à “administração pública” os princípios norteadores da atividade estatal. A interpretação verdadeira só socorre a quem sabe ler, porque o conceito de “administração” está muito aquém do pleno exercício dos poderes do Estado.

A legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência constituem a seiva que deve alimentar o Estado de Direito como um todo e não apenas a sua “administração”.

A gafe cometida pelos constituintes revela sua indigência cultural.  Ao invés dessa coisa vaga, denominada “administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes”,  há uma expressão que define toda a área de abrangência daqueles princípios. Mas no vocabulário pobre dos congressistas não havia lugar para ela: o exercício dos Poderes.

Foi também por não saberem ler, que os membros da Comissão de Reforma Política da Câmara extrapolaram os limites do bom senso, destinando três bilhões e seiscentos milhões de reais para o fundo partidário.

Essa exorbitância debocha da miséria do país e desvia para a safadeza política recursos que podem ser destinados à saúde, à segurança, à educação, ou aplicados em obras geradoras de emprego. E num orçamento desvalido pelo deficit, exibindo um rombo fiscal só menor que as sacanagens de Brasília, isso não merece outro nome. É imoralidade.


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