OS
DOUTORES E A PREPOSIÇÃO
João
Eichbaum
Teve
estrondoso lançamento no Rio de Janeiro, com a presença de Dilma Rousseff, Luiz
Inácio Lula da Silva e todo o escalão superior do pessoal do PT, um livro
intitulado COMENTÁRIOS A UMA SENTENÇA ANUNCIADA: O CASO LULA.
A
obra, segundo a imprensa, reúne disposições e opiniões de 102 juristas, mestres
e doutores em Direito, provavelmente escarrando marimbondos sobre a sentença de
Sérgio Moro. O lançamento, claro, teve discursos e preciosidades, tipo essa do
advogado Alberto Toron, sobre a Lavajato: “é um escárnio de abusos e
vilipêndios”...
O
título do livro já é um atestado de nível cultural pouco recomendável: ou seus
autores não lhe deram atenção, ou não conhecem as propriedades inseparáveis da
boa escrita, que são os preceitos do vernáculo.
Soa
mal, muito mal, dói nos ouvidos de quem aprecia um texto pela sua harmonia, a
expressão “comentários a uma sentença”. Impressiona a dissonância provocada por
um quase cacófato: “a uma”.
A
partícula “a”, no caso, é uma preposição. Como tal, pode ter sentido de
movimento (vou a Portugal), de localização (a três quadras), de tempo (daqui a
dois dias), de modo (pagamento a prazo). Mas não tem o sentido de dissertação,
que é propriedade das preposições “sobre” e “de’’.
Assim
sendo, a preposição “a” não poderia ligar dois substantivos (“comentários” e
“sentença”) exercendo funções alheias à sua natureza. Só se pode fazer
comentários “sobre”, “acerca de” ou “a respeito de” alguma coisa, no sentido de
analisar, dar parecer, opinião, explicação, etc.
Quem
preserva a própria cultura não abre um livro assim, como quem abre a porta para
a felicidade. A agressão ao vernáculo, já na capa, mais sugere aventura de
amadores, do que análise científica, conduzida por doutores.
A
sentença de Moro, embora se esmere, verrumando nos autos para extrair provas,
não é um primor, do ponto de vista técnico. Desnaturam-na excessivas
explicações pessoais, e um pedido quase formal de desculpas pelo juízo
condenatório. A isso se junta estranha contradição: reconhece elementos de
sustentação para prisão preventiva, mas se abstém de decretá-la.
Os
juristas, mestres e doutores poderiam ter se poupado do vexame de desnudar sua
pouca intimidade com o vernáculo. Ao mesmo tempo, evitariam o uso de um canhão,
para matar incômodo mosquito.
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