sexta-feira, 18 de agosto de 2017

OS DOUTORES E A PREPOSIÇÃO
João Eichbaum

Teve estrondoso lançamento no Rio de Janeiro, com a presença de Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva e todo o escalão superior do pessoal do PT, um livro intitulado COMENTÁRIOS A UMA SENTENÇA ANUNCIADA: O CASO LULA.

A obra, segundo a imprensa, reúne disposições e opiniões de 102 juristas, mestres e doutores em Direito, provavelmente escarrando marimbondos sobre a sentença de Sérgio Moro. O lançamento, claro, teve discursos e preciosidades, tipo essa do advogado Alberto Toron, sobre a Lavajato: “é um escárnio de abusos e vilipêndios”...

O título do livro já é um atestado de nível cultural pouco recomendável: ou seus autores não lhe deram atenção, ou não conhecem as propriedades inseparáveis da boa escrita, que são os preceitos do vernáculo.

Soa mal, muito mal, dói nos ouvidos de quem aprecia um texto pela sua harmonia, a expressão “comentários a uma sentença”. Impressiona a dissonância provocada por um quase cacófato: “a uma”.

A partícula “a”, no caso, é uma preposição. Como tal, pode ter sentido de movimento (vou a Portugal), de localização (a três quadras), de tempo (daqui a dois dias), de modo (pagamento a prazo). Mas não tem o sentido de dissertação, que é propriedade das preposições “sobre” e “de’’.

Assim sendo, a preposição “a” não poderia ligar dois substantivos (“comentários” e “sentença”) exercendo funções alheias à sua natureza. Só se pode fazer comentários “sobre”, “acerca de” ou “a respeito de” alguma coisa, no sentido de analisar, dar parecer, opinião, explicação, etc.

Quem preserva a própria cultura não abre um livro assim, como quem abre a porta para a felicidade. A agressão ao vernáculo, já na capa, mais sugere aventura de amadores, do que análise científica, conduzida por doutores.

A sentença de Moro, embora se esmere, verrumando nos autos para extrair provas, não é um primor, do ponto de vista técnico. Desnaturam-na excessivas explicações pessoais, e um pedido quase formal de desculpas pelo juízo condenatório. A isso se junta estranha contradição: reconhece elementos de sustentação para prisão preventiva, mas se abstém de decretá-la.

Os juristas, mestres e doutores poderiam ter se poupado do vexame de desnudar sua pouca intimidade com o vernáculo. Ao mesmo tempo, evitariam o uso de um canhão, para matar incômodo mosquito.


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