segunda-feira, 30 de junho de 2008

COLUNA DO MÁRIO SIMON

UM SEMINARISTA EM APUROS


Acho que não se fazem mais seminaristas como antigamente. Hoje, na verdade, os seminaristas nem mais parecem que são filhotinhos de padres. Não os reconhecemos nas ruas, não se distinguem de outros jovens, nem mais andam recolhidos em seminários vetustos, espalhados pelos pátios daquele imenso casarão caminhando pra cá e pra lá, braços cruzados, tendo na mão direita um rosário por onde vão desfiando ave-marias e ladainhas intermináveis. Não se ouve mais o sino que batia chamando-os para o recolhimento do estudo em vastas salas. Foram-se, também, os corais dos seminários, aquelas vozes que de tão afinadas eram capazes de erguer um Beethoven do túmulo. Com oito vozes, as missas solenes eram entoadas em latim. E os seminaristas aprendiam a tocar harmônio, um instrumento que de tão obsoleto nem sei se ainda existe. Mas um bom padre deveria saber tocar harmônio. E decoravam as partituras. E matavam horas e horas, e junto se matavam no estafante pedalar o fole do instrumento.
E as sotainas negras que os seminaristas usavam para assistir à missa, diariamente. Eram batinas feitas a facão, umas parecendo mais uma camisola de pano preto batendo na canela em vez de cobrir o candidato a padre até o calcanhar. As batinas não sabiam que os meninos seminaristas cresciam rapidamente, como todo o adolescente que se preze.
E havia as mulheres, o demônio anda de saia para os seminaristas. Ah, nem vou falar do estrago que as mulheres fizeram, fazem e farão nos seminaristas. Uma mulher, que caísse do céu no meio de um bando de seminaristas, e que na queda o vento lhe erguesse a saia um palminho acima do joelho, era o mesmo que encher de filas intermináveis o confessionário nos próximos trinta dias. E todos com o mesmo pecado. Não, não vou falar das mulheres e os seminaristas. Eu não agüentaria minhas próprias lembranças! Vejam por quê!
Do seminário, fui aconselhado a retirar-me depois de oito anos de puro zelo pela minha vocação. E não foi por culpa de mulher, não. Foi por culpa de um homem que me delatou. Que eu namorava fulana, que eu beijara sicrana, que eu, que eu, tudo eu. Não era verdade, mas quem acredita em seminarista? Defenestraram-me, e a igreja perdeu um padre, e por culpa disso muitas almas se foram para o porão do inferno. Me aguardem que eu vou tirar vocês daí!
Em casa, poucos dias depois do triste episódio, triste e assustado como um gato perdido, ocorreu meu primeiro contado íntimo com uma mulher. Acontece que dei com os dentes para toda a família que eu sabia aplicar injeção, já que morávamos no Comandaí, lá ao lado de uma hoje famosa ponte construída por Luiz Carlos Prestes, e não havia pronto-socorro por perto. Comandaí fica ainda muito longe de tudo. Pois não é que aparece uma vizinha com sua filha, dezessete anos, alta, morena, linda de fazer até os cachorros calarem-se, que dirá um pobre seminarista indefeso. A mãe dela trazia uma ampola de injeção para que eu aplicasse na moça. O que ela tinha de doente? Nunca vou saber.
Eu disse que era melhor que ela fosse para Santo Ângelo, para Giruá, cidades vizinhas, para um lugar qualquer que eu estava de férias, que eu havia saído, que eu estava com indisposição para aplicar injeções. Desculpem, eu não disse nada: eu pensei. Minha boca devia estar aberta, mas não saía nada, talvez uma baba inútil. Mas eu só caí mesmo no chão quando a moça, choramingando, disse que só deixava dar a injeção se fosse na bunda. Usou dessa palavra mesmo, inimaginável na boca de um seminarista, muito menos na de uma donzela inefável, diante da qual eu podia rezar, e não dar uma injeção na bunda.
Quando me ajuntaram, eu já estava com o aparelho para aplicar a maldita injeção prontinho, fervido numa latinha, agulha fervida junto, e os olhares em torno que diziam para que eu levantasse a saia da menina e fizesse o serviço de enfermeiro. Pedi algodão, pedi álcool, pedi ar que já me faltava, pedi espaço, e pediria muito mais coisas se pudesse para não ter que ver o que um seminarista nunca viu, nem deve ver: uma bunda de moça.
Então, idéia brilhante assaltou-me. Disse que dava para dar a injeção na perna, um pouco acima do joelho, que era a mesma coisa. E enquanto a moçoila erguia a saia um palmo acima do joelho, embora aquele palmo de coxa me fez penar três meses, apliquei ali a injeção e saí correndo. Soube, mais tarde, que moça mancou dias com uma dor muito grande naquela perna. Mas que havia melhorado, graças a Deus e a umas benzeduras que a aconselharam fazer, por vias das dúvidas. E por via das dúvidas, evitei a moça por anos, certo de que um contato a mais com ela me levaria a perdição para sempre.

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