quinta-feira, 28 de agosto de 2008

COLUNA DO PAULO WAINBERG

NEM SEI O QUE DIZER...
Paulo Wainberg


Junte um monte de cores. Não importa quais, vermelho, roxo, amarelo, azul, preto, âmbar, bege, rosa e berinjela. Olhe o conjunto e você terá um caleidoscópio. Sabe o que é um caleidoscópio? Um monte de cores misturadas.
Para que serve? Para nada. Você fecha um olho e abre o outro, no tubo do caleidoscópio e fica maravilhado com o conjunto de cores que se misturam, criam formas, agrupam-se, dissolvem-se e voltam a se misturar, umas com as outras e tudo isto serve para você exclamar que maravilha! Olha que lindo! Magnífico e largar o tubo na mesa com a sensação agradável de ter visto uma coisa bonita.
Quanta bobagem, quanta ilusão!
Arte é ilusão, meu confrade, arte é pura perda de tempo meu camarada, companheiro, pelego ou rato de auditório, não perca seu tempo, a questão é pragmática: como ganhar mais, como ingressar no mercado, como ter carteira assinada, como ser camelô e escapar da fiscalização, como juntar, ajuntar, ter mais, ganhar, ganhar.
Faça o que fizer, sonhe o que sonhar, deseje o que desejar, não será um conjunto de cores harmonicamente misturadas que realizará você, neste mundo moderno das abreviações cibernéticas, das adaptações teatrais e da limpeza dos monumentos públicos que fará de você uma pessoa melhor, um ser social definido, politicamente correto e conhecedor das investigações profiláticas da polícia federal.
Não!
O mundo do sucesso exige fotos de atrizes de pernas abertas e sem calcinhas! Homens musculosos de cabelos frondosos e olhares travessos, adolescentes de saias curtas desfilando as modas e cronistas de ocasião, falando da ocasião, como este que vos fala!
Não!
Não perca seu tempo com romantismo barato, não use palavras anacrônicas como “amor”, “encanto” e, a pior de todas, “poesia”, para marcar seu território no mundo dos negócios, da alta roda e do sucesso maniqueísta que, ao redor do mundo, explode nas telas da TV à cabo mostrando como se conquista um emprego na agência de publicidade, como se perde um milhão no Big Brother e como se consegue casar com um milionário solteirão sendo bonita, gostosa e vestindo pouca roupa!
Não!
Não diga à sua amada que você adora “Luzes da Ribalta” porque ela não conhecerá “essa música”. Não revele ao seu amor que você leu O Vermelho e o Negro porque ele nunca ouviu falar nesse gibi!
Conquiste o corpo que você deseja falando na novela das oito, no Show do Milhão e nos livros maravilhosos de auto-ajuda que mudaram sua vida.
Nunca revele sua alma!
Nunca fale palavras “bonitas” como luar, olhos profundos, amor ardente ou mãos dadas.
Não!
Diga que quer ficar, fale em gata gostosa, mencione bíceps volumosos e proponha transar! Quer perder a garota, quer ver o rapaz a léguas de você? Fale que seu maior sonho é fazer amor com ela, com ele. Diga que estar junto é uma emoção superior, fale em alma e paixão, declame um poema, assobie Only You, recite alguma coisa em francês..
Não, ladies and gentlmen, o mundo não está para madame et messieur, não há espaço para o idílico, para o toque subversivo do dorso de mão, para um leve e excitante roçar de joelho no joelho.
Não!
O mundo é pegação, carne à vontade, sandálias e tênis, filas de balada e... doces emoções?, nem pensar!
Um aqui, outra ali, o sábado à noite não termina em declarações apaixonadas, promessas insensatas, beijos alucinados na porta de casa ou no ponto mais alto, a cidade aos teus pés, iluminada e linda, dentro do carro.
Lamento dizer mas o mundo é em inglês, árido e rápido, pega lá dá cá, sem tempo para a ilusão da arte, para a beleza do belo, para o arroubo e para a declaração gaguejante de um amor eterno.
Não acredita? Estou exagerando? Sou saudosista?
Faça um teste. Se você tiver um caleidoscópio em casa, feche um olho e, com o outro, misture as cores.
Depois me diga.

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