terça-feira, 4 de novembro de 2008

COLUNA DO PAULO WAINBERG

ATENÇÃO! PAULO WAINBERG ESTARÁ AUTOGRAFANDO NA FEIRA DO LIVRO AMANHÃ, ÀS 19,30!


POR TODA A SUA VIDA
Paulo Wainberg



Muito tempo depois de tudo terminado ele conseguiu enfrentar os dias fingindo que ela não existia. Conseguiu tirar da cabeça a premência constante em vê-la, de estar com ela, ouvir sua voz e dedicar-lhe a imensa paixão que guardava escondida e que justificara sua vida.
Com esforço, remédios e tratamento, recuperou o equilíbrio e a lucidez, aceitando finalmente que a vida não seria vivida com ela e, mesmo assim, merecia continuar. Aprendeu a valorizar o que tinha e sublimar o que não era possível ter. Chegou a ter grandes alegrias, satisfações e prazeres e, em muitos momentos, até mesmo duvidar que, algum dia, tivesse amado tanto.
Entretanto duas coisas teimavam em traí-lo e faziam recrudescer o amor e, nesses momentos, o amor parecia inesgotável.
Quando alguma dessas coisas acontecia, ou ambas, ele se via novamente prisioneiro da paixão e emergia em funda melancolia, a vida perdia a graça e só lhe ficava um imponderável desejo de chorar.
Durante horas, sem forças para reagir, a tragédia de seu amor provocava pensamentos desencontrados afetava-lhe o raciocínio e sentimentos conflitantes fulminavam suas emoções.
Lembranças, recordações, fantasias, desejos a flor da pele, ímpetos mal contidos de procurar por ela, falar-lhe nem que fosse ao telefone, só para ouvir a voz amada, mesmo que a voz amada nada dissesse e, se algo dizia, era como se nada jamais tivesse acontecido. Controlava o impulso mas algumas vezes sucumbia, atrás da conhecida emoção de ouvir-lhe voz, mesmo indiferente e corriqueira que lhe respondia do outro lado da linha.
O que ele desejava era um indício, uma tonalidade, uma palavra a dizer-lhe que ainda era recíproca a paixão, que o tempo não a desfizera em pó e que de algum jeito, mínimo que fosse, ele era ainda importante na vida dela.
Em vão.
Sempre que não resistiu e tentou obter alguma resposta, encontrou nela a firmeza impiedosa de quem não queria mais falar no assunto.
Ele morria.
Passadas as horas ele reunia suas últimas reservas e saia do estado catatônico, retomando a realidade e pondo a vida para frente até aprumar-se e até que uma das duas coisas acontecesse de novo.
A primeira coisa que gerava a confusão era quando, por acaso, encontrava com ela ou a via em algum lugar. Tinha direcionado sua vida para evitar esses encontros, sabendo o sofrimento que lhe causavam. Entretanto em algumas ocasiões era inevitável embora ele evitasse tanto quanto é possível evitar.
Bastava olhar para ela que perdia o jeito, ficava nervoso, gaguejava e era possuído de monumental ansiedade a ponto de faltar-lhe o ar.
Quando, eventualmente, era forçado a um cumprimento direto o mundo sumia sob seus pés. Sentia-se dentro de uma fogueira, o fogo dissolvendo cada pedaço de pele e osso e não imaginava onde conseguia forças para não abraçá-la ou para soltar sua mão, uma das partes dela que mais amava sentir.
Mas sempre conseguia, sempre consegue, amparado em sabe-se lá qual senso, qual instinto de defesa. De uma coisa ele tinha certeza e talvez fosse este o suporte maior que lhe assegurava um mínimo de comportamento quando se via diante dela: morria à simples idéia de fazê-la sofrer, de causar-lhe constrangimento ou qualquer mal estar.
Porque ela, como acontece nas vidas, por isto ou por aquilo, tinha par. Ás vezes um, às vezes outro, mas sempre tinha par.
E ele também.
Como declarar-se a ela apaixonadamente diante de pares assim presentes sem causar um buchincho, um banzé, o maior rolo?
E ele então controlava o ímpeto com o coração partido e corroído em ácido sulfúrico, secando com a mão as bagas de suor, fingindo um ataque de tosse e escapulindo rapidamente.
E de antemão sabendo que as próximas horas seriam de profunda catatonia amorosa, de certezas e dúvidas, teria o olhar dela dito alguma coisa? Teria ela deixado a mão na sua um pouco mais de tempo? Teria ela procurado o olhar dele e nele permanecido um tantinho a mais?
O outro fato que provocava o fenômeno era os sonhos. Ele sonhava muito e, quando acordava, lembrava dos sonhos. Sonhos com enredo, começo, meio e fim, personagens variados, cenários diferentes e tudo a cores. E na maioria desses sonhos ela era a personagem principal.
Nos sonhos a única constante era o enorme amor dele por ela. As variações iam desde a rejeição explícita, por parte dela, até os sentimentos de ciúmes mais devastadores ou a deliciosa correspondência dela ao amor dele.
Os sonhos eram vividos por ele com tanta intensidade que pareciam mais reais do que a própria realidade.
Numa noite ele sonhou que estava numa sala e ela estava sentada no sofá. Ele se aproximou, sentou-se e a abraçou. E foi tão bom aquele abraço, tão emocionante e rico que ele despertou, em plena madrugada, virando-se na cama e abraçando o travesseiro.
O vazio imediato foi aniquilante ao perceber que abraçava o travesseiro e que tamanha emoção não passara de um sonho.
E não conseguiu mais dormir, envolvido por mil sensações, lutando para não pensar nela mas, delicadamente, deixando-se envolver pela doce emoção do sonho que tivera, revivendo os momentos sublimes em que esteve mais uma vez nos braços de sua amada.
Os anos passaram e foram vividos por ele como se a vida fosse a famosa canção de Vinícius de Moraes.
E por toda a eternidade, enquanto viveu, acalentou o sonho de, um dia, finalmente estar com ela.

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