terça-feira, 25 de novembro de 2008

COLUNA DO PAULO WAINBERG

MOUSSE DE CLARAS
Paulo Wainberg


Clarabela, Clarabóia e Clarimunda.
A primeira eu não conhecia, a segunda se abria no banheiro e a terceira era feia de cara e boa de bunda.
Clarabela, ao que consta, estudou filosofia na PUC, fez mestrado em Cambridge e doutorado em Harward.
Clarabóia tende a enferrujar.
Clarimunda, feia de cara, era mesmo boa de bunda.
Clarabela casou com um príncipe. Das Astúrias, dizem.
Clarabóia tende a se trincar.
Clarimunda, apesar da cara, era excelente de bunda.
Clarabela, depois de princesa, escreveu sua monografia.
Clarabóia, enferrujada e trincada, quando abria não fechava.
Clarimunda, que cara horrorosa e que ótima bunda.
Clarabela demonstrou por a mais b que Pitágoras tinha razão.
Clarabóia, enferrujada e trincada, quando fechava não abria.
Clarimunda maquiava a cara, mas brilhava pela bunda.
Clarabela e Clarimunda encontraram-se por acaso, ao lado de Clarabóia, uma na pia e outra no chuveiro.
Ao tentar abrir Clarabóia para aliviar o vapor, Clarimunda não conseguiu e pediu auxílio à Clarabela que, prontamente atendeu.
As duas juntas empurravam para cima o trinco de Clarabóia que, enferrujado, não se moveu.
- Por causa da ferrugem Clarabóia enguiçou – filosofou Clarabela.
- Fundiram-se os metais? – quis saber Clarimunda, esfregando a toalha na bunda.
- Como se foram idéias – respostou Clarabela, guardando na bolsa a Crítica da Razão Pura.
- Idéias são metais que se fundem? – perguntou Clarimunda, de costas para o espelho e admirando-se a bunda.
- E que se lançam ao éter – culminou Clarabela, pronta para sair.
Clarabóia, impávida, mais ainda enferrujava, graças à umidade e ao vapor. Quase nenhuma luz passava por seu vidro fosco, embaciado e trincado. Soberana, reinava serenamente sobre seu reino privado, justamente a privada pública do prédio municipal.
Clarabela respirou sobre o solitário, um brilhante diamante que ganhou de casamento. Um bafo halitoso para extirpar gotículas de vapor que empanavam o fulgor da jóia, à mão posta sob a luz.
- Nem sabe o que me aconteceu – disse Clarimunda, a boa de bunda.
- Nem quero saber – tornou Clarabela. – O sábio é aquele que nada sabe, ponderou.
- Derramaram sobre mim a panela de sopa de legumes, ali no refeitório. Melecaram-me de alto a baixo. Por isso tomava banho. Para me desmelecar. Melecada daquele jeito eu não ia agüentar.
Enquanto falava, Clarimunda passava batom nos lábios finos, pó-de-arroz nas faces secas, rimel nas diminutas pestanas e um lápis marrom nas sobrancelhas tortas.
A cara de Clarimunda era um conjunto disforme, peças erradas de um quebra-cabeças enfiadas à força umas nas outras. Porém, vou te contar, que bunda!
Clarabela quis mijar e, sem nenhuma cerimônia, levantou a saia, baixou as calcinhas e sentou na taboa suja da privada, com cara de nojo.
Clarabóia deu um estalo, comum nos inanimados: era o metal retraindo a dilatação anterior, causada pelo calor.
- Clarabóia desgraçada – porejou Clarabela esfregando o polegar machucado de tanto empurrar o trinco enferrujado.
- E eu, que quebrei a unha – lamentou Clarimunda, nua e de cara pintada, retirando com o mindinho um excesso de batom.
Nesse momento entrei eu na privada, quase me evacuando. Dei de cara com a cara de Clarimunda que disse “ai”, tapou-se com as mãos e virou de costas, mostrando, na íntegra, sua magnífica bunda.
Clarabela continuou mijando, filosóficamente.
- Que bafo – reclamei do vapor – por que não abrem a Clarabóia?
- Enferrujou – disse Clarimunda e, juro por Deus, ela falava pela bunda.
- Fundiram-se as idéias – disse Clarabela que era boa de cara, mas o corpo era uma laje.
- Bobagem – falei. Com meu grosso polegar e viril indicador tomei a Clarabóia pelo trinco e com másculo movimento deflorei-lhe a ferrugem, subindo-lhe o pino argola adentro. Com o punho fechado desferi-lhe um tranco pelas ancas e – voilà – abriu-se a Clarabóia como a vaca ao touro.
- Oh, festejou-me pela bunda a feia Clarimunda.
- O Übermensch! Assim Falou Zaratustra! Nietzsche tinha razão! Você é o super homem – esbaforiu-se Clarabela, levantando da privada e puxando para cima as calcinhas sobre pernas-palito brancas.
- Ô, Ô, Ô - sorri satisfeito. - As damas me dão licença? Eis que me cago.
- Eu fico!
- E eu também!
Clarabóia, definitivamente aberta, aerava, aliviada. As duas confabulavam de costas para mim, as retas de Clarabela e a bunda de Clarimunda.
Obrei-me a rodo, aliviando vísceras, cloacas e tubulações, coisa que sempre faço após um bom mocotó.
Depois, ali mesmo, aos beijos com Clarabela, esbaldei-me com Clarimunda, não sem antes proibir-lhe de me encarar com a face, só com a bunda.
Clarabóia, aberta e devassa, babava gotas da chuva que caia lá fora.

Nenhum comentário: