segunda-feira, 17 de novembro de 2008

COLUNA DO PAULO WAINBERG

O ENTROITO E O ASSUNTO
Paulo Wainberg



Ainda não sou avô, mas neto eu já fui. E tenho muitos amigos que já são avós e se dão muito bem.
Se por acaso minha filha e meu genro acharem que estou mandando alguma mensagem, que há segundas intenções nesta crônica ou qualquer tipo de sugestão ou pedido encarecido com implícita ameaça de deserdá-los imediatamente, estarão absolutamente certos.
Sutilmente falando, é isto mesmo!!!
Acredito firmemente que as tradições, ao lado das religiões, integram o elenco principal dos principais causadores das tragédias humanas.
Sem mais delongas vou logo afirmando que a tradição é o obscurantismo posto em prática e todo o movimento tradicionalista é um anacronismo sempre atual o que, embora pareça, não é um paradoxo.
Alguém deve ter dito antes de mim que nada melhor do que a prática para explicar a teoria. Se ninguém disse então você está diante de um ineditismo raro de se conseguir, nos dias de hoje.
Portanto, à prática, deixando claro que você não pode confundir Tradição com História. História é a memória dos fatos passados utilizada para evoluir, evitar erros repetidos e, também para compreender o presente: a História e suas versões...
Tradição é o culto repetido de hábitos antigos, ultrapassados e em desuso no contexto, evocada em datas ou locais definidos onde as pessoas agem como se o tempo não existisse, falam e se comportam como se vivessem na pré-história e nada de útil obtém, salvo um duvidoso e efêmero divertimento.
Até aí tudo bem, não fossem as trágicas conseqüências que as seitas tradicionalistas provocam.
O primeiro deles é a separação dos povos. Porque cada povo teima em preservar as próprias origens, vivendo como viviam seus antepassados, sem permitir a integração, a interação e promovendo, pois, a desconfiança, o medo e, rapidamente, a intolerância.
Por qual razão as massas estão sempre à procura de suas origens para identificar a própria existência é que coisa que não compreendo. Qual diferença positiva existe no fato de uns povos descenderem da Europa Central, outros da Índia e assim por diante? A tradição é instrumento para a discriminação, isto é, a prática do sentimento de racismo que é inerente ao ser humano. Ao choque de culturas. Aos desejos imperiosos de dominação, uma cultura prevalecendo sobre a outra, portanto a guerra.
São a História e suas versões que demonstram que as atrocidades humanas foram cometidas em nome da tradição e da religião, as piores delas, as mais mortíferas e genocidas.
Não foi em nome de preservar a grande tradição do povo alemão que Hitler conquistou a maioria no Parlamento e elegeu-se Chanceler do Reich afundando o mundo numa guerra dantesca e promovendo o Holocausto?
Não foi em nome da grande tradição francesa que Napoleão assolou a Europa?
Mais próximos de nós, não é em nome da tradição gaúcha que os seus centros de tradição não aceitam manifestações homossexuais e nem mesmo novas expressões musicais, num evidente e ilegal exercício de discriminação?
Isto ocorre porque a Tradição não aceita a mudança, recusa a evolução e exige fidelidade absoluta aos hábitos e costumes seculares sob o pretexto de “manter a identidade” que pode ser religiosa, política, racial e cultural.
Como exercício, imagino os povos desapegados de suas origens e tradições, sem prescindir – repito – do registro da História.
A humanidade, de forma natural e sem sobressaltos se auto-assimilaria unindo as diversas etnias (atributos biológicos naturais) constantemente até que, dispensando guerras, atentados e terrorismo, o planeta fosse habitado pela “raça humana”, solidária, participativa e integrada.
As diferenças estariam ao serviço das variações climáticas e seriam processadas não como cultura, religião ou tradição e sim por razões de sobrevivência, pura e simplesmente.
A imigração não levaria consigo tradições a serem cultivadas como lembrança da “boa e velha pátria mãe”, na maioria dos casos não tão boa assim e de triste lembrança. Colônias migrantes não teriam tradições a cultuar, criando núcleos fechados, pequenos países resistentes à assimilação dentro dos territórios alheios.
A palavra “xenofobia” provavelmente jamais teria sido inventada e as fronteiras seriam totalmente abertas. Crimes como o “contrabando” não existiriam, assim como movimentos separatistas ou a guerra no Oriente Médio.
Saberíamos que os gaúchos usavam bombachas, lenço no pescoço, as “prendas” usavam vestidos de tule e botinas e, nos bailes faziam a dança do pezinho. Legal, para uma festa à fantasia.
Saberíamos que em outubro, na festa do chope, ninguém precisa usar chapéu de tirolês.
As mulheres árabes andariam de rosto exposto, a África seria um continente civilizado e, muito provavelmente, sequer existiriam as bolsas de valores.
As diferenças seriam respeitadas porque existem diferenças. Os seres humanos não são exatamente iguais, porém, e nisto consiste o cerne da questão, ao meu humilde ver, as pessoas não são melhores ou piores do que as outras. Diferentes sim, melhores não. Com ressalva às patologias.
Mas os cultores das tradições justificam-se com uma frase que... vou te contar: “O que vamos dizer aos nossos netos?”. Quer dizer, eles são tradicionalistas para contar aos netos.
E desde quando avós têm algo a dizer que interesse aos netos? Avô existe para brincar com os netos e satisfazer todas as vontades deles. Nenhum neto que se preze, a partir da idade em que coisas sérias devem ser-lhes ditas, dá a mínima bola para coisas sérias que seus avós quiserem dizer.
Eu não dava, meus amigos não davam e os netos deles não dão.
De volta ao entroito: Quero netos para brincar e satisfazer todas as vontades deles.
Ouviram, vocês dois?

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