sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

COM A PALAVRA JANER CRISTALDO

O ILUSTRE TEÓLOGO NÃO LEUNEM O PRIMEIRO EVANGELHO
Janer Cristaldo

Nos finais de ano, o planeta dorme. Exceto algum acidente aéreo, nada de relevante acontece. As grandes revistas nacionais, por falta de assunto, dedicam páginas e mais páginas a um tema recorrente, a Bíblia ou o nascimento de Cristo. A Veja destes dias finais de 2009 dedica sua capa à Bíblia, que “começou a ser escrita há mais de 3 000 anos, e desde seu início se revelou um livro sem rival no poder de moldar culturas e civilizações. Essa força permanece inesgotável: ler a Bíblia é essencial para entender o mundo do qual viemos e em que vivemos hoje”. Até aí, nada contra.Considero difícil entender, pelo menos o Ocidente , sem a leitura do Livro. Ocorre que a reportagem resvala para uma análise anódina da Bíblia, que não leva em conta os mais recentes estudos sobre a história daqueles dias. Sem nenhum espírito crítico, o redator praticamente assume como fatos históricos os mitos bíblicos. Ao falar sobre a passagem de Jesus sobre a Terra, o redator grafa: “sobre Sua missão”. Assim com maiúscula. Ora, isto é coisa de crente. De uma revista como Veja, espera-se um jornalismo isento. Fez jornalismo de pregador.Esqueceu ainda o redator de dizer que a Bíblia – e particularmente o Antigo Testamento – defende uma legislação de bárbaros, onde imperam o genocídio, o massacre de povos inteiros, de homens, mulheres e crianças, a vendeta, a lei de talião, a lapidação. De minha parte, desconheço livro mais sanguinolento.
A reportagem só pode ter sido escrita por alguém que jamais leu com atenção a Bíblia. Mas se até ilustres teólogos proferem bobagens, que se pode esperar de um jornalista? A Istoé, repisando o velho tema, reproduz grossa bobagem, proferida por um dos mais reputados teólogos tupiniquins.
Vamos ao texto:Sylvia Browne, americana autora do best seller “A Vida Mística de Jesus”, é taxativa: “Tanto José quanto Maria provinham de famílias judias nobres e prósperas, de sorte que Jesus nasceu em uma estalagem e não em um estábulo, rodeado de animais”, diz. “José, de família real, não podia ser pobre – era um artesão especializado.”
A afirmação de Sylvia é contestada por Fernando Altemeyer, professor de teologia e ciências da religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Afirmar que a ascendência nobre de José garantiria o bem-estar da família não faz sentido”, argumenta. Ele lembra que Davi é do ano 1000 a.C. e em um milênio sua fortuna certamente teria se dispersado. “Fora que a ascendência entre os judeus vem de mãe, não de pai”, explica.
Ora, Don Fernando, seria de supor-se que um professor de teologia e ciências da religião tenha algum dia lido os Evangelhos. Parece que não. Hoje, a ascendência entre os judeus pode vir de mãe. Antes não era assim. Y a las pruebas me remito.
Lá está, em Mateus:Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão. A Abraão nasceu Isaque; a Isaque nasceu Jacó; a Jacó nasceram Judá e seus irmãos; a Judá nasceram, de Tamar, Farés e Zará; a Farés nasceu Esrom; a Esrom nasceu Arão; a Arão nasceu Aminadabe; a Aminadabe nasceu Nasom; a Nasom nasceu Salmom; a Salmom nasceu, de Raabe, Booz; a Booz nasceu, de Rute, Obede; a Obede nasceu Jessé; e a Jessé nasceu o rei Davi. A Davi nasceu Salomão da que fora mulher de Urias; a Salomão nasceu Roboão; a Roboão nasceu Abias; a Abias nasceu Asafe; a Asafe nasceu Josafá; a Josafá nasceu Jorão; a Jorão nasceu Ozias; a Ozias nasceu Joatão; a Joatão nasceu Acaz; a Acaz nasceu Ezequias; a Ezequias nasceu Manassés; a Manassés nasceu Amom; a Amom nasceu Josias; a Josias nasceram Jeconias e seus irmãos, no tempo da deportação para Babilônia. Depois da deportação para Babilônia nasceu a Jeconias, Salatiel; a Salatiel nasceu Zorobabel; a Zorobabel nasceu Abiúde; a Abiúde nasceu Eliaquim; a Eliaquim nasceu Azor; a Azor nasceu Sadoque; a Sadoque nasceu Aquim; a Aquim nasceu Eliúde; a Eliúde nasceu Eleazar; a Eleazar nasceu Matã; a Matã nasceu Jacó; e a Jacó nasceu José, marido de Maria, da qual nasceu JESUS, que se chama Cristo. Onde tem mãe nesta árvore genealógica? Não vejo nenhuma. Recomendo ao ilustre teólogo ler pelo menos o relato de Mateus. Quando nem um professor de teologia e ciências da religião parece ter lido o primeiro evangelho, pouco podemos esperar de jornalistas.

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