segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

NÓS, PRIMATAS

A FÉ DA MULHER DO JARDINEIRO

João Eichbaum


Foi por causa do medo que os primatas recém entrados na inteligência criaram suas divindades. As tempestades, os raios, os trovões, as estrelas cadentes representavam para o homem primitivo uma força inexplicável. À falta de razões científicas para tais fenômenos, ele concebeu a idéia da divindade, porque somente um “ser superior” teria tanto poder para desencadear tamanha fúria. Assim concebeu deuses que, como ele, homem, estavam sujeitos a ímpetos de ira e mau humor e chutavam o balde por dá cá aquela palha.
A idéia da divindade evoluiu, mas nem tanto, porque nunca se desvencilhou da sua origem, que eram as manifestações de ira, retratadas nos fenômenos da natureza.
Javé, o Deus dos judeus, também foi concebido assim. Tanto que o Antigo Testamento está recheado de manifestações de ira, mau humor e sadismo atribuídas a essa divindade.
Os cristãos tentam dourar a pílula, pintando esse mesmo “Deus” com atributos de bondade e misericórdia. Donde tiraram tais atributos, não se sabe. Até hoje não houve manifestação explícita de tais qualidades, desde que se considere a humanidade como um todo. Nunca houve um bem distribuído de forma uniforme para toda a humanidade. Enquanto alguém, aqui, se considera contemplado pela bondade desse “Deus”, outrem, logo ali, é massacrado pela dor, pela desgraça, pela infelicidade.
E se diz que os cristãos tentam dourar a pílula, porque nem mesmo eles conseguem difundir sua doutrina, sem uma explícita manifestação de sadismo de um “Deus” que, “para remir os pecados”, exigiu o sacrifício do próprio filho, conhecido na mitologia cristã pelo nome de Jesus Cristo.
Falo essas coisas, aproveitando a frase da mulher do meu jardineiro que, enquanto varria a grama cortada pelo marido, sentenciou, se referindo à fúria das águas que derrubou uma ponte com várias pessoas em cima, em Agudo: isso é a prova da existência de Deus, para quem não acredita nele.
É assim mesmo. Não há crente que consiga se livrar da idéia de que o seu “Deus” é dominado pela ira. São pessoas que não raciocinam, evidentemente, e não se dão conta de que, nessa linha de pensamento, por exemplo, não foi senão esse mesmo “Deus”que matou com uma pedrada, no terremoto do Haiti, uma piedosa senhora chamada Zilda Arns, em cujo currículo carregava, ao lado da fama de seu irmão arcebispo, um monte de obras de caridade.

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