João Eichbaum
Estou lendo um livro, intitulado “Sem Medo da Verdade”, escrito pelo Padre José Joaquim Pillon.
Pelo que li no prefácio, escrito pelo próprio autor, é uma autobiografia condimentada com candentes desabafos. Por exemplo, diz ele: “a História mostrou-me o caminho do surgimento das idéias, como se formaram os paradigmas autoritários do pensar e do agir na educação religiosa e política, quase sempre em nome de Deus”.
O padre, como todos nós, antes mesmo que pudesse pronunciar a primeira palavra, já estava engolfado no sistema, preso às regras do cristianismo, marcado pelo ritual do sal e da água, sem o qual ele não seria “filho de Deus”. O sobrenome Pillon é responsável pelo resto. De origem italiana, nunca pôde se libertar do ferrete religioso que lhe impuseram. Para a maioria dos italianos (hoje, na era Berlusconi, já nem tanto) a religião católica é a senha para entrar no céu. Sua família lia a bíblia, rezava antes das refeições e se ajoelhava à noite, para desfiar o rosário, com o ramerrão das ave-marias.
Agora, iluminado pela clarividência que lhe empresta a terceira idade, ele veio a descobrir que os “paradigmas” religiosos que lhe serviram de norte no pensamento e na ação eram “autoritários”. E acrescenta que tais paradigmas lhe foram impostos “quase sempre em nome de Deus”.
É claro, estando assentada na divindade a base e a razão de ser de qualquer religião, seus administradores são espertos o bastante para se eximirem de culpa, atribuindo assim, ao deus que escolheram, a sanção das regras de comportamento por eles ditadas. Como se, existindo um deus “onipotente e onipresente”, ele necessitasse de “representantes”, para se fazer respeitar e para difundir “sua palavra”.
Naturalmente, sem consultar o povo que reza, vai à missa, deposita na caixa de coleta suas espórtulas e acredita cegamente na entidade divinizada, os “representantes” de Deus, que nunca apresentaram procuração, criam suas normas e as impõe, sancionando-as com as penas de excomunhão, inferno e tudo o mais.
Então as regras religiosas de comportamento são ditadas de cima para baixo, sem a mínima chance de contestação ou de questionamento: são ordens de Deus, embora feitas pelos homens.
É certamente por isso que o padre as chama de “autoritárias”. E como corolário da descoberta que lhe proporcionou “a História”, ele acrescenta: “eu queria uma vida mais limpa, mais transparente e mais ágil para mim e para todos”.
Em outras palavras, o padre se queixa da falta de liberdade, inclusive para tornar menos sombrias, menos obscuras ou, quem sabe, menos ambíguas, essas intransigentes regras “de Deus”.
Agora, pelo que transmitem as primeiras linhas do livro, o padre está se libertando das amarras da obediência que, ao assumir a condição de clérigo, havia jurado à hierarquia da Igreja Católica. Isso exige coragem e, implicitamente, descrédito na existência do “inferno”, castigo de que lança mão a referida Igreja contra aqueles que ousam contestá-la.
Por essas primeiras linhas, o padre merece aplausos.
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Um comentário:
Até concordo com quem disse que o padre foi sobretudo muito corajoso. Pensemos num padre que quer continuar padre sem abrir mão da família que constituiu. Que impasse dramático. A saída mais fácil seria se licenciar, certamente até obteria a concordância da hierarquia, mas não, quero continuar padre, e casado. É ter atitude.
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