A COMÉDIA DO MENSALÃO: 27º ATO
João Eichbaum
A falta de intimidade dos ministros
do STF com a hermenêutica, no trato do Direito Penal, é decepcionante. E não
deixa de causar apreensão, é claro. Se aqueles a quem cabe dizer a última
palavra se mostram inseguros, a insegurança jurídica está a ameaçar,
virtualmente, a todos os brasileiros.
Assim rezava o “caput” art. 1º da Lei
9.613. de 3 de março de 1998:
Art.
1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem,
localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou
valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime.
Em
oito incisos o dispositivo elencava os crimes que complementavam a tipificação
descrita no “caput”: de tráfico ilícito
de substâncias entorpecentes ou drogas afins; de terrorismo e seu
financiamento; de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material
destinado à sua produção; de extorsão mediante seqüestro; contra a
Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou
omissão de atos administrativos; contra o sistema financeiro nacional;
praticado por organização criminosa e praticado por particular contra
administração pública estrangeira...
Era
esse o texto que vigorava ao tempo em que teriam sido praticados os delitos
denunciados na ação penal 470, conhecida popularmente como “mensalão”.
A
partir dessa descrição de conduta penal, a maioria dos ministros levantou a
tese de que, não havendo dolo eventual nesse tipo de delito, porque a Convenção
de Viena, de Palermo e do diabo que o parta assim entende, o agente deve ter
conhecimento de que os valores escamoteados são provenientes desses crimes. Se
não o souber, o crime não se tipifica, porque ele não suporta o “dolo
eventual”. Assim, ó: se a vovó esconde o dinheiro da pensão dela debaixo do
colchão, ou se esconde o dinheiro do traficante, que ela sabe que é traficante,
dá tudo na mesma, não é crime. E o traficante também fica numa boa, claro.
O
texto legal, na verdade, é de uma pobreza jurídica indecente. Os deputados e
senadores de hoje, que não têm no seu meio um Ruy Barbosa, enfrentam enormes
dificuldades no vernáculo e na Ciência do Direito, logicamente.
Então
foi redigido esse texto que pressupõe um dolo direto (ocultar, dissimular) e um
“dolo eventual” (provenientes de tais e tais crimes), ao mesmo tempo.
Há dolo eventual, sim, senhores ministros do
Supremo. A vovó vai se ralar, pena: ela corre o risco de ocultar dinheiro sujo,
porque sabe que o vizinho é traficante. Mas a culpa é do legislador. A vovó só
se safaria se da tipificação emergisse o elemento subjetivo, por exemplo com
essa redação:
Art.
1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem,
localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou
valores reconhecidamente provenientes, de forma direta ou indireta, de crime.
Mas,
assim não está escrito na lei. Então, ou o dolo direto se concentra na finalidade
(ocultar, dissimular) ou se admite também como ingrediente o “dolo eventual”,
numa simbiose espúria. Se assim não for, tudo dependerá da prova do elemento
subjetivo.
Mas,
nenhum ministro do STF sabe disso. Porque o FHC, o Lula e a Dilma, não
conhecendo o Direito, escolheram qualquer um para a composição do Supremo. Até
o Celso de Mello, que fica se achando.
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