sexta-feira, 21 de setembro de 2012


A COMÉDIA DO MENSALÃO: 27º ATO

João Eichbaum
               joaoeichbaum@gmail.com


A falta de intimidade dos ministros do STF com a hermenêutica, no trato do Direito Penal, é decepcionante. E não deixa de causar apreensão, é claro. Se aqueles a quem cabe dizer a última palavra se mostram inseguros, a insegurança jurídica está a ameaçar, virtualmente, a todos os brasileiros.
Assim rezava o “caput” art. 1º da Lei 9.613. de 3 de março de 1998:

Art. 1o  Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime.

Em oito incisos o dispositivo elencava os crimes que complementavam a tipificação descrita no “caput”: de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; de terrorismo e seu financiamento; de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; de extorsão mediante seqüestro; contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; contra o sistema financeiro nacional; praticado por organização criminosa e praticado por particular contra administração pública estrangeira...
Era esse o texto que vigorava ao tempo em que teriam sido praticados os delitos denunciados na ação penal 470, conhecida popularmente como “mensalão”.
A partir dessa descrição de conduta penal, a maioria dos ministros levantou a tese de que, não havendo dolo eventual nesse tipo de delito, porque a Convenção de Viena, de Palermo e do diabo que o parta assim entende, o agente deve ter conhecimento de que os valores escamoteados são provenientes desses crimes. Se não o souber, o crime não se tipifica, porque ele não suporta o “dolo eventual”. Assim, ó: se a vovó esconde o dinheiro da pensão dela debaixo do colchão, ou se esconde o dinheiro do traficante, que ela sabe que é traficante, dá tudo na mesma, não é crime. E o traficante também fica numa boa, claro.
O texto legal, na verdade, é de uma pobreza jurídica indecente. Os deputados e senadores de hoje, que não têm no seu meio um Ruy Barbosa, enfrentam enormes dificuldades no vernáculo e na Ciência do Direito, logicamente.
Então foi redigido esse texto que pressupõe um dolo direto (ocultar, dissimular) e um “dolo eventual” (provenientes de tais e tais crimes), ao mesmo tempo.
 Há dolo eventual, sim, senhores ministros do Supremo. A vovó vai se ralar, pena: ela corre o risco de ocultar dinheiro sujo, porque sabe que o vizinho é traficante. Mas a culpa é do legislador. A vovó só se safaria se da tipificação emergisse o elemento subjetivo, por exemplo com essa redação:
Art. 1o  Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores reconhecidamente provenientes, de forma direta ou indireta, de crime.
Mas, assim não está escrito na lei. Então, ou o dolo direto se concentra na finalidade (ocultar, dissimular) ou se admite também como ingrediente o “dolo eventual”, numa simbiose espúria. Se assim não for, tudo dependerá da prova do elemento subjetivo.
Mas, nenhum ministro do STF sabe disso. Porque o FHC, o Lula e a Dilma, não conhecendo o Direito, escolheram qualquer um para a composição do Supremo. Até o Celso de Mello, que fica se achando.



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