BOTANDO OS
PÉS PELAS MÃOS
João Eichbaum
A ação penal 470, apelidada de “mensalão”, tem revelado o
despreparo da maioria dos ministros do STF para o julgamento cru, quer dizer, para
o julgamento primário, a primeira demão nos autos.
Julgar o que já foi
decidido em primeira e em segunda instância, com a matéria enriquecida pelos
debates, pela doutrina e pela jurisprudência é fácil. Basta pinçar uma das
teses. É uma operação que dispensa criatividade. E isso qualquer assessor de
ministro o faz.
Não é o que acontece no
caso do “mensalão”. Aqui a matéria veio crua para as mãos dos ministros e dos
seus assessores. Exige criatividade, exige sabedoria, exige experiência na arte
de garimpar, separando o essencial do acessório, o objetivo do subjetivo, e o
cerne da casca, para extrair do fato o filão jurídico.
Nenhum dos ministros fez
isso. Nenhum deles partiu do tipo penal (premissa maior), para chegar ao fato (premissa
menor), operação da qual fluiria naturalmente a conclusão. Todos partiram dos
fatos para chegar logo à conclusão.
Por exemplo, ao analisar
o crime de “gestão fraudulenta de instituição financeira”, os ministros botaram
os pés pelas mãos.
O tipo penal está assim
descrito no art. 4º da Lei 7.294: “gerir fraudulentamente instituição
financeira”. Uma redação absurda dentro da ciência penal, diga-se de passagem.
O núcleo do tipo se concentra no advérbio (fraudulentamente) e não no verbo,
que exprime a conduta, a ação (gerir). Mas, como o advérbio por si só nada
significa, porque sua existência depende da existência de um adjetivo, de um
verbo ou de outro advérbio, teremos que jungi-lo ao verbo do qual haure sua
razão de ser. O verbo é “gerir”.
“Gerir”, que é um verbo
defectivo por eufonia, significa administrar, governar. Provém do verbo gero, gessi, gestum, gerere, usado por
Cícero no sentido de administrar a coisa pública. Tem, portanto, um sentido
amplo, que compreende várias ações, que não se exaurem numa só operação, porque
exigem reiteração, continuidade.
Uma direção de banco
que, para favorecer determinado cliente, simula empréstimos, por exemplo, está realizando
operações individualizadas e cometendo crime de falsidade ideológica, claro.
Mas, realizar operações bancárias específicas, determinadas, individualizadas,
não é sinônimo de administrar instituição financeira. O ato de administrar
compreende todas as ações próprias dos negócios de natureza bancária e da subsistência
da instituição em si. A administração da instituição financeira tem um espectro
amplo, que a realização de negócios específicos, determinados, individualizados,
não tem.
Em suma, os ministros
não sabem o que significa “gerir”, e confundem instituição financeira com
negócios bancários.
Do vocabulário pobre de
Joaquim Barbosa à erudição inútil de Celso de Mello o que sobra de concreto no
STF é a empáfia. Ah, sim, e a certeza de que a unanimidade é burra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário