sexta-feira, 14 de setembro de 2012


BOTANDO OS PÉS PELAS MÃOS

João Eichbaum
               joaoeichbaum@gmail.com

A ação penal 470,  apelidada de “mensalão”, tem revelado o despreparo da maioria dos ministros do STF para o julgamento cru, quer dizer, para o julgamento primário, a primeira demão nos autos.
Julgar o que já foi decidido em primeira e em segunda instância, com a matéria enriquecida pelos debates, pela doutrina e pela jurisprudência é fácil. Basta pinçar uma das teses. É uma operação que dispensa criatividade. E isso qualquer assessor de ministro o faz.
Não é o que acontece no caso do “mensalão”. Aqui a matéria veio crua para as mãos dos ministros e dos seus assessores. Exige criatividade, exige sabedoria, exige experiência na arte de garimpar, separando o essencial do acessório, o objetivo do subjetivo, e o cerne da casca, para extrair do fato o filão jurídico.
Nenhum dos ministros fez isso. Nenhum deles partiu do tipo penal (premissa maior), para chegar ao fato (premissa menor), operação da qual fluiria naturalmente a conclusão. Todos partiram dos fatos para chegar logo à conclusão.
Por exemplo, ao analisar o crime de “gestão fraudulenta de instituição financeira”, os ministros botaram os pés pelas mãos.
O tipo penal está assim descrito no art. 4º da Lei 7.294: “gerir fraudulentamente instituição financeira”. Uma redação absurda dentro da ciência penal, diga-se de passagem. O núcleo do tipo se concentra no advérbio (fraudulentamente) e não no verbo, que exprime a conduta, a ação (gerir). Mas, como o advérbio por si só nada significa, porque sua existência depende da existência de um adjetivo, de um verbo ou de outro advérbio, teremos que jungi-lo ao verbo do qual haure sua razão de ser. O verbo é “gerir”.
“Gerir”, que é um verbo defectivo por eufonia, significa administrar, governar. Provém do verbo gero, gessi, gestum, gerere, usado por Cícero no sentido de administrar a coisa pública. Tem, portanto, um sentido amplo, que compreende várias ações, que não se exaurem numa só operação, porque exigem reiteração, continuidade.
Uma direção de banco que, para favorecer determinado cliente, simula empréstimos, por exemplo, está realizando operações individualizadas e cometendo crime de falsidade ideológica, claro. Mas, realizar operações bancárias específicas, determinadas, individualizadas, não é sinônimo de administrar instituição financeira. O ato de administrar compreende todas as ações próprias dos negócios de natureza bancária e da subsistência da instituição em si. A administração da instituição financeira tem um espectro amplo, que a realização de negócios específicos, determinados, individualizados, não tem.
Em suma, os ministros não sabem o que significa “gerir”, e confundem instituição financeira com negócios bancários.
Do vocabulário pobre de Joaquim Barbosa à erudição inútil de Celso de Mello o que sobra de concreto no STF é a empáfia. Ah, sim, e a certeza de que a unanimidade é burra.




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