sexta-feira, 28 de setembro de 2012


QUANDO CRISTO BEBE
SEU PRÓPRIO ESPERMA
 

Janer Cristaldo


Maria Madalena, de aparição relativamente rápida nos Evangelhos, sem dúvida goza de boa mídia ao longo da História. Depois do Cristo, é certamente o personagem mais popular na indústria do cinema e no mundo editorial. Diz Bart Ehrman, em Pedro, Paulo e Maria Madalena:
“Entre Pedro, Paulo e Maria Madalena, não resta dúvida de quem é a estrela da mídia hoje em dia. Pedro pode ser um sentimental entre os fiéis leitores do Novo Testamento, que se identificam com seu comportamento inconstante, mas coração basicamente bondoso. Paulo intriga e ocupa teólogos há séculos e ainda é amplamente reverenciado pelos leigos, que talvez leiam seus textos com mais freqüência do que os entendam. Mas nem Paulo nem Pedro foram notícia na Broadway, em Hollywood, ou em editoras. Maria Madalena é totalmente diferente. Eis uma grande seguidora de Jesus sobre a qual sabemos pouquíssimo, mas que rouba a cena há muitos e muitos anos como estrela de peças, filmes e romances. Talvez seja mais fácil se encantar e venerar aqueles cujas vidas são misteriosas e vagas. Os roteiristas raramente gostam de ser limitados pelos fatos históricos”.
Uma historiadora dos primórdios do cristianismo da Universidade de Harvard ocupou a primeira página dos jornais nos últimos dias, ao anunciar ter identificado um pedaço de papiro escrito em copta do século IV no qual aparece uma frase nunca vista antes em nenhuma versão das Escrituras: "Jesus disse para eles. Minha esposa...".
A descoberta foi anunciada em Roma, no início desta semana, durante uma reunião de especialistas em copta, pela historiadora Karen L. King, autora de diversos livros sobre os Evangelhos e a primeira mulher a ocupar o mais prestigiado cargo da escola de Teologia de Harvard, a cadeira Hollis. Obviamente, a subida honra foi creditada a Maria de Magdala.
A suposta descoberta tem implicações na política da Igreja Católica, no que diz respeito ao ministério sacerdotal. A doutrina de Roma veta o sacerdócio a mulheres e homens casados, num modelo baseado na vida de Jesus. Fosse casado, estariam abertas as portas para o sacerdócio feminino.
Que não era a mulher de Cristo, por mais que o queiram cineastas e escritores, isto é óbvio. Tanto que é definida nos Evangelhos por sua cidade: madalena, isto é, de Magdala. Fosse a mulher de Cristo, obviamente seria definida como a mulher de Cristo.
Como era de esperar-se, choveram bobagens na imprensa, por parte de jornalistas mais preocupados em fazer uma manchete do que investigar o que possa existir de sério no fragmento descoberto. Por um lado, parece existir uma torcida para que Cristo tivesse tido uma companheira. Por outro – e neste lado se inclui a Igreja Católica - atribuir uma mulher a Cristo constitui uma heresia.
A maior bobagem surgiu mais para o fim de semana, quando os jornais disseram ser a descoberta mais uma fraude elaborada por teólogos liberais militantes. Grande novidade! Boa parte dos livros pertencentes ao cânone de Roma constitui fraude e nem por isso são desconsiderados. Por exemplo, as cartas de Paulo. Das treze epístolas, pelo menos seis são postas em dúvida: 2 Tessalonicenses, Efésios, Colossenses, 1 e 2 Timóteo e Tito. Ainda segundo Ehrman, 
“os padres da Igreja que decidiram qual seria o conteúdo e a forma do Novo Testamento viveram séculos depois de os livros terem sido escritos e não tinham tanto conhecimento a ponto de saber quem realmente os escreveu. A única questão passa a ser se essa epístola especial foi ou não escrita por Paulo, e isto precisa ser decidido na base da coerências ou não em relação às outras que se tem certeza de que foram escritas por ele”.
Nos albores do cristianismo, muitos foram os depoimentos sobre a vida de Cristo e dos patriarcas do livro antigo, cada um puxando brasa para seu assado. Além dos aceitos pelos cânones das diversas igrejas, há os chamados apócrifos, cujo número é maior que o da Bíblia Canônica. Seriam 113 em relação ao Antigo Testamento e 61 em relação ao Novo. Nestes últimos, há cristos para todos os gostos. Entre os apócrifos mais conhecidos, estão o Evangelho de Tomás, o Evangelho de Filipe, o Evangelho da Verdade, o Evangelho dos Egípcios, o Livro Secreto de Jaime, o Apocalipse de Paulo, a Carta de Pedro a Felipe e o Apocalipse de Pedro. 
Há inclusive um Evangelho de Maria Madalena, segundo o qual Maria foi uma discípula de suma importância à qual Jesus teria confidenciado informações que não teria passado aos outros discípulos, sendo por isso questionada por Pedro e André. Ela surge ali como confidente de Jesus, alguém, portanto, mais próxima de Jesus do que os demais. Cada autor a vê de forma diferente. No Evangelho de Tomé, ela dá oportunidade a uma curiosa consideração do Cristo:
Simão Pedro disse a eles: “Que Maria nos deixe, pois as mulheres não são dignas de viver”. Jesus disse: “Eu mesmo a guiarei no sentido de tornar-se masculinizada, para que ela também se torne um espírito vivo que se assemelhe a vós homens. Pois toda mulher que masculinizar-se entrará no reino dos céus”. 
Em um outro texto apócrifo, Panarion, de Epifânio, é narrado um surpreendente episódio ocorrido na vida da madalena, extraído de um livro perdido, As Maiores Perguntas de Maria Madalena. Quem nos conta é Bart Ehrman. Jesus leva Maria até o cume de uma montanha e, miraculosamente, tira de seu lado uma mulher, algo semelhante ao nascimento de Eva da costela de Adão. Depois passa a ter relações com ela. Quando atinge o clímax, Jesus retira o pênis do corpo da mulher, recolhe seu sêmen e bebe-o, dizendo à Maria Madalena: “Assim devemos fazer, para podermos ter vida”.
Mesmo nos Evangelhos canônicos, há muita contradição em torno à mulher de Magdala. Em João, ela é a primeira a ver o Cristo e ele não lhe permite tocá-lo. Com sua perquirição implacável, pergunta-se Ehrman:
“É a famosa cena do noli me tangere: ‘Não me toqueis, pois ainda não subi aos céus'. Curiosamente, Jesus aparece aos discípulos e muda suas instruções, dizendo ao duvidoso Tomé para lhe tocar as mãos e o lado (João 20:24-28). Teria ele subido aos céus entre esta cena e a anterior, e descido para uma rápida visita depois?”
Ou seja, cada escriba tem sua visão dos acontecimentos. Qual Evangelho é o mais verossímil? Aquele em que Cristo retira uma mulher da costela de Madalena e bebe o próprio esperma ou aqueles em que ressuscita? Ou um outro texto que situa Maria como mulher de Cristo? Antes de serem fraudes, são diferentes versões de uma lenda, criadas para a defesa de sabe-se lá quais interesses da época.
No caso de Epifânio, parece haver uma motivação evidente. Epifânio abominava os cristãos fibionitas que, segundo ele comemoravam a Ceia do Senhor com uma orgia sexual não-procriadora, que envolvia o coito interrompido. Conta-nos ainda Bart Erhman:
“Depois do jantar, integrantes da comunidade escolhiam um par (alguém que não fosse sua própria esposa nem esposo, afirma Epifânio mais que depressa), e tinham relações sexuais com essa pessoa. Mesmo quando o homem atingia o clímax, retirava o pênis da vagina da mulher e juntos captavam o sêmen e o consumiam, dizendo: “Este é o Corpo de Cristo”. Se a mulher estivesse menstruada na época, eles também recolhiam um pouco de seu sangue e o consumiam, dizendo: “Este é o sangue de Cristo”.
A crer-se em Epifânio, o swing é mais antigo do que imaginávamos. Em suma, a intenção do escriba era denegrir a seita dos fibionitas. Daí o episódio com a Maria.
O fragmento ora descoberto é tão autêntico – ou não-autêntico – quanto os demais Evangelhos. A menos que você acredite em ressurreição e milagres.




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