segunda-feira, 10 de setembro de 2012


OS GUARDAS DE TOGA

João Eichbaum


O advogado Márcio Thomaz Bastos, conhecendo, como conhece, Direito Penal e Direito de Processo Penal, acreditava que os ministros do Supremo, ao julgarem o processo do “mensalão”, iriam decidir de conformidade com normas primárias e milenares da Ciência do Direito.
Agora o festejado causídico se mostra decepcionado com o rumo tomado naquele julgamento. Diz ele: “se fala em irregularidades, em negligência, em temerário, mas quando se fala em fraude se fala em abstrato, mas não se prova, não se aponta ardil, nem fraude. Respeito o Supremo, mas a corte está flexibilizando certas regras garantistas.”
Thomaz Bastos se refere à condenação do vice-presidente do Banco Rural, seu cliente José Roberto Salgado, tido como incurso nas sanções do art. 4º da Lei nº 7.492. Essa lei considera crime “gerir fraudulentamente instituição financeira” e, no seu parágrafo único, estabelece pena menor “se a gestão for temerária”. Verdadeiro monstrengo jurídico: elege um advérbio e um adjetivo como núcleos duma conduta penal genérica (gerir instituição financeira).
No corpo da peça denominada “denúncia”, o Procurador Geral da República viaja entre o advérbio “fraudulentamente” e o adjetivo “temerário”, mas imputa ao cliente de Thomaz Bastos somente o “caput” do artigo.
Ora, a prova, no direito penal, é essencial, e para que ela seja possível, o fato penal tem que ser específico, determinado, e não aleatório. E mais: somente os fatos, quer dizer, os substantivos, são suscetíveis de prova objetiva. Os advérbios e os adjetivos pertencem ao mundo subjetivo, onde somente a presunção tem trânsito livre.
O advogado certamente apostava nessa indigência técnica da lei, que atropela princípios rudimentares de tipicidade penal. Supunha que, na ausência de fatos objetivos, (substantivos) reiterados e sem limites de abrangência, que formam o conceito de “gestão”, revelando atitudes subjetivas  (adjetivos ou advérbios), os ministros optariam pela absolvição, como manda o milenar “in dubio pro reo”.
Mas, não foi isso que aconteceu, Então, dominado pela perplexidade, Thomaz Bastos não pôde deixar de evocar um fato que faz parte do anedotário jurídico brasileiro: “quando o ato institucional da repressão foi editado, o vice-presidente Pedro Aleixo, um liberal, advertiu que sua preocupação não era como aquilo seria usado pelo governo, mas pelo guarda da esquina”.
Pelo jeito, os “guardas da esquina”, dessa vez, estavam todos de toga.

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