OS GUARDAS DE TOGA
João Eichbaum
O advogado Márcio Thomaz
Bastos, conhecendo, como conhece, Direito Penal e Direito de Processo Penal,
acreditava que os ministros do Supremo, ao julgarem o processo do “mensalão”,
iriam decidir de conformidade com normas primárias e milenares da Ciência do
Direito.
Agora o festejado
causídico se mostra decepcionado com o rumo tomado naquele julgamento. Diz ele:
“se fala em irregularidades, em negligência, em temerário, mas quando se fala
em fraude se fala em abstrato, mas não se prova, não se aponta ardil, nem
fraude. Respeito o Supremo, mas a corte está flexibilizando certas regras
garantistas.”
Thomaz Bastos se refere
à condenação do vice-presidente do Banco Rural, seu cliente José Roberto
Salgado, tido como incurso nas sanções do art. 4º da Lei nº 7.492. Essa lei
considera crime “gerir fraudulentamente instituição financeira” e, no seu
parágrafo único, estabelece pena menor “se a gestão for temerária”. Verdadeiro
monstrengo jurídico: elege um advérbio e um adjetivo como núcleos duma conduta
penal genérica (gerir instituição financeira).
No corpo da peça
denominada “denúncia”, o Procurador Geral da República viaja entre o advérbio
“fraudulentamente” e o adjetivo “temerário”, mas imputa ao cliente de Thomaz
Bastos somente o “caput” do artigo.
Ora, a prova, no direito
penal, é essencial, e para que ela seja possível, o fato penal tem que ser
específico, determinado, e não aleatório. E mais: somente os fatos, quer dizer,
os substantivos, são suscetíveis de prova objetiva. Os advérbios e os adjetivos
pertencem ao mundo subjetivo, onde somente a presunção tem trânsito livre.
O advogado certamente
apostava nessa indigência técnica da lei, que atropela princípios rudimentares
de tipicidade penal. Supunha que, na ausência de fatos objetivos,
(substantivos) reiterados e sem limites de abrangência, que formam o conceito
de “gestão”, revelando atitudes subjetivas
(adjetivos ou advérbios), os ministros optariam pela absolvição, como
manda o milenar “in dubio pro reo”.
Mas, não foi isso que
aconteceu, Então, dominado pela perplexidade, Thomaz Bastos não pôde deixar de
evocar um fato que faz parte do anedotário jurídico brasileiro: “quando o ato
institucional da repressão foi editado, o vice-presidente Pedro Aleixo, um
liberal, advertiu que sua preocupação não era como aquilo seria usado pelo
governo, mas pelo guarda da esquina”.
Pelo jeito, os “guardas
da esquina”, dessa vez, estavam todos de toga.
Nenhum comentário:
Postar um comentário