terça-feira, 8 de janeiro de 2013


ATÉ DORMINDO SE GANHA DINHEIRO

João Eichbaum

Sabe o tipo que chacoalha a vaca para ter “milk shake”?  A Justiça é assim.
Com a permissão da Secretaria de Educação e outro tanto do comando da Polícia Militar, um brioso soldado dessa não menos briosa milícia - hoje mais mista do que varonil - foi morar no prédio de uma escola.
Todos nós temos o direito de pensar que não foi por causa dos belos olhos do soldado, nem por causa do seu peitão cheio de pêlos, nem por sua silhueta de deus grego e muito menos por causa de seu desempenho sexual que lhe foi conferido tão particular privilégio. Alguma coisa útil em favor da escola ele devia fazer.
Sim, sim, é exatamente o que vocês estão pensando: ele devia vigiar a escola ou, pelo menos, levar para dentro dela toda a moral de que se orgulha a corporação a que ele pertence, para afugentar malfeitores.
Mas, eis senão quando, certa noite arrombaram a escola e levaram o que puderam.
Bola picando para um comentarista de noticiário de TV, que lascou: “e o PM não viu nada. Bota sono profundo nisso!”
Se vocês estão pensando que sobrou para o soldado e para a corporação militar, aqui, ó: nada disso. Sobrou para a empresa de telecomunicações.
Sim, senhores, o PM “sofreu ofensa na sua honra”, disse o juiz. E os desembargadores mandaram a empresa pagar danos morais, porque “os fatos noticiados não eram verídicos” (leia-se: não é verdade que o PM tem sono profundo, ou não é verdade que ele estivesse dormindo, pois poderia estar se divertindo  durante aquele recreio noturno que todo mundo gosta).
Então tá. Dizer que alguém tem “sono profundo” é ofensa à honra. Certamente porque o sono não é uma necessidade física, não é aquele poder ancestral que domina o homem, faz os vovôs cabecearem na frente da TV. O sono é um valor de conteúdo essencialmente moral, tem tudo a ver com a honra. E todas as pessoas têm a mesma e linear intensidade de sono.
A não ser sob tal prisma, nenhuma pessoa de média inteligência conseguiria vislumbrar ofensa nessa exclamação “bota sono pesado nisso”!
Segundo o PM, a partir da notícia, seus colegas passaram a chamá-lo de “dorminhoco”. Ora, o que é uma pessoa “dorminhoca”, senão alguém que dorme com facilidade?
Se chamar alguém de “dorminhoco” é ofensa, se isso causa danos, se isso é capaz de desestruturar emocionalmente alguém, quem deve responder é quem faz chacota,  empregando esse horrível adjetivo, demolidor da “honra”. E não quem dá a notícia, sem adjetivos.
Mas isso não é tudo. A sentença que incrementou a conta bancária do soldado  se esqueceu de que existe um artigo de lei que cimenta o direito à reparação de danos. É o artigo 186 do Código Civil, onde está claro que a reparação do dano depende de um pressuposto básico, a violação de um direito..
Qual teria sido o direito violado? O direito do PM ao sono? Mas, alguém lhe interrompeu o sono?
 O que tirou o sono do PM foi o comentário na TV, e não o furto. Desse a Justiça não se ocupou: deu mais valor ao “milk shake” do que à vaca.





Um comentário:

Gigi disse...

Se alguém falar que eu estou dormindo à noite em sono profundo, quero ganhar o meu também. Mas, esse cronista ou colunista não cairá mais nessa, qual gato escaldado.