quarta-feira, 3 de julho de 2013

UM ANIMAL CHAMADO HOMEM


João Eichbaum
joaoeichbaum@gmail.com

Não sei se o macho homem das cavernas era feliz. Mas duma coisa tenho certeza: não era um cara complicado. Resolvia seus problemas pessoalmente, sem despachantes, como faz qualquer animal. Em seu estado puro, levado mais pelo instinto do que pela inteligência, errava pela mata à procura da fêmea que lhe satisfaria as exigências da natureza. E arrastava pelos cabelos, até sua caverna, a primeira que encontrasse, sem lhe mandar flores, sem lhe fazer poemas, sem perguntar nome, idade, residência, estado civil, CPF. Depois, se pintasse clima, fazia a mesma coisa com outra, sem ter que se preocupar em pagar pensão para a primeira.
O que modificou o homem – e agora falo do homem como espécie animal e não como reprodutor masculino – foi a religião e a filosofia. A primeira despertou seu lado gregário, quando ele se deu conta de que era impotente para dominar os fenômenos violentos da natureza. Foi inventando deuses que o homem encontrou o caminho para se reunir com seus semelhantes, de um modo mais civilizado. É claro que nesses encontros foram aparecendo as diferenças, mostrando que um homem não é exatamente igual ao outro, porque alguns tendem à dominação e outros à submissão, uns promovem o espetáculo, outros não passam de expectadores, uns têm perfil de um, sete,um, outros, de otários.
Então os dominantes, aproveitando-se do ponto fraco dos dominados, que era o medo, usaram a religião como fonte de ascendência, estabelecendo normas e costumes gregários. Sustentado no medo e condimentado pela filosofia, o sentimento religioso cresceu e se impôs como referência, a partir da qual se constituiu o Estado.
De modo que o homem se tornou católico, porque lideres religiosos lhe prometem a vida eterna, sem prazo de validade. Mas não dão garantia nenhuma. O homem se tornou espírita porque não desaparece, apenas se transforma, desencarna. Mas morre sem ter a mínima prova disso. O macho homem é muçulmano porque há sete mil  virgens esperando-o depois da morte. Mas ninguém até hoje voltou do outro mundo para dizer como foi  bacana, ou que sete mil é muito pouco para a temporada eterna.
Resultado de tudo isso foi que o homem se tornou um ser complicado, muito diferente do seu antepassado das cavernas, durante muitos séculos, principalmente no período em que o próprio Estado esteve submetido ao domínio religioso.
Mas nos dias de hoje começa a ocorrer um fenômeno paradoxal. Dominando a ciência, e com uma inteligência mais aguçada, que lhe permite colocar a força da natureza e os mitos religiosos nos seus respectivos lugares, o homem parece estar retornando à sua animalidade insubmissa. "Ficar" se tornou descomplicado, como antigamente, e com a vantagem de ninguém ser puxado pelos cabelos: basta curtir uma balada.
 E nesses últimos tempos, depois de ter dado as costas para certos preceitos religiosos e sociais, o homem já corcoveia, quando o incomodam as safadezas do Estado, às vezes confundidas com as próprias fraquezas: vai protestar nas ruas, ocupa os penicos do Congresso Nacional, ou dorme na Câmara de Vereadores.


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