João Eichbaum
joaoeichbaum@gmail.com
Não sei se o macho
homem das cavernas era feliz. Mas duma coisa tenho certeza: não era um cara
complicado. Resolvia seus problemas pessoalmente, sem despachantes, como faz
qualquer animal. Em seu estado puro, levado mais pelo instinto do que pela
inteligência, errava pela mata à procura da fêmea que lhe satisfaria as
exigências da natureza. E arrastava pelos cabelos, até sua caverna, a primeira
que encontrasse, sem lhe mandar flores, sem lhe fazer poemas, sem perguntar
nome, idade, residência, estado civil, CPF.
Depois, se pintasse clima, fazia a
mesma coisa com outra, sem ter que se preocupar em pagar pensão para a
primeira.
O que modificou o homem
– e agora falo do homem como espécie animal e não como reprodutor masculino –
foi a religião e a filosofia. A primeira despertou seu lado gregário, quando
ele se deu conta de que era impotente para dominar os fenômenos violentos da
natureza. Foi inventando deuses que o homem encontrou o caminho para se reunir
com seus semelhantes, de um modo mais civilizado. É claro que nesses encontros
foram aparecendo as diferenças, mostrando que um homem não é exatamente igual
ao outro, porque alguns tendem à dominação e outros à submissão, uns promovem o
espetáculo, outros não passam de expectadores, uns têm perfil de um, sete,um,
outros, de otários.
Então os dominantes,
aproveitando-se do ponto fraco dos dominados, que era o medo, usaram a religião
como fonte de ascendência, estabelecendo normas e costumes gregários. Sustentado
no medo e condimentado pela filosofia, o sentimento religioso cresceu e se
impôs como referência, a partir da qual se constituiu o Estado.
De modo que o homem se
tornou católico, porque lideres religiosos lhe prometem a vida eterna, sem
prazo de validade. Mas não dão garantia nenhuma. O homem se tornou espírita
porque não desaparece, apenas se transforma, desencarna. Mas morre sem ter a
mínima prova disso. O macho homem é muçulmano porque há sete mil virgens esperando-o depois da morte. Mas
ninguém até hoje voltou do outro mundo para dizer como foi bacana, ou que
sete mil é muito pouco para a temporada eterna.
Resultado de tudo isso
foi que o homem se tornou um ser complicado, muito diferente do seu antepassado
das cavernas, durante muitos séculos, principalmente no período em que o
próprio Estado esteve submetido ao domínio religioso.
Mas nos dias de hoje
começa a ocorrer um fenômeno paradoxal. Dominando a ciência, e com uma
inteligência mais aguçada, que lhe permite colocar a força da natureza e os
mitos religiosos nos seus respectivos lugares, o homem parece estar retornando
à sua animalidade insubmissa. "Ficar" se tornou descomplicado, como
antigamente, e com a vantagem de ninguém ser puxado pelos cabelos: basta curtir
uma balada.
E nesses últimos tempos, depois de ter dado as
costas para certos preceitos religiosos e sociais, o homem já corcoveia, quando
o incomodam as safadezas do Estado, às vezes confundidas com as próprias
fraquezas: vai protestar nas ruas, ocupa os penicos do Congresso Nacional, ou
dorme na Câmara de Vereadores.
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