quarta-feira, 31 de julho de 2013

QUANDO A  LEI É MAIS SÁBIA
João Eichbaum
joaoeichbaum@gmail.com
No tempo em que “lei” era uma coisa e “medida” era outra, no tempo que “permanente” não era sinônimo de “provisório”, os juristas eram sábios. A lei era pensada, amadurecida, trabalhada intelectualmente, segundo os valores e costumes sociais. Não era uma tomada de providência para cobrir interesses imediatos, para servir à vontade dos governantes, para garantir a reeleição.  Não. A lei, naquele tempo, só tinha em vista o interesse comum.
Naquele tempo, não era o diploma de bacharel, nem a autoridade de prender e soltar que credenciava alguém para o magistério do Direito, mas sua sabedoria, o pleno domínio da ciência jurídica, da arte de interpretar, de saber distinguir quando pinto é pinto e quando pinto é pênis.
Sob tais influxos, quando a sabedoria ainda prevalecia sobre os privilégios e sobre as ambições pessoais, foi promulgado o Código de Processo Penal, em cujo artigo 20  se lê o seguinte: "a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade".
Para quem não tem intimidade com a linguagem jurídica, sejam alunos ou professores, faço questão de informar que o verbo, quando empregado no futuro, (assegurará) tem caráter imperativo, sentido de ordem. A nenhum aplicador da lei é lícito interpretar a seu modo, iluminado pela própria luz, com a marca de seu ego, com o peso de suas frustrações ou de seus sucessos, não necessariamente felizes, a ordem imposta pela lei. À autoridade, seja que autoridade for, polícia, Ministério Público ou juiz, cabe a responsabilidade de assegurar o sigilo do inquérito policial.
A lei foi temperada com o bom senso, para preservar a sociedade da desilusão, para poupá-la do desencanto. Sabendo que o inquérito policial nada tem de definitivo, porque não passa de um amontoado de informações colhidas no calor dos fatos, não quis que a sociedade fosse enganada pelos sentimentos, pela precipitação, pelo destempero emocional. O inquérito não é uma solução final, nem um juízo de valor. Ele está mais comprometido com o fato do que com o homem. Por isso está amordaçado pelo sigilo: um dos interesses da sociedade é não ser iludida.
Ser amorfo que é, gerado no caldeamento de interesses que ora se acasalam, ora se repelem, ora se congregam, ora se divorciam, tudo temperado pelo mais intenso subjetivismo, a sociedade só enxerga através do multifário caleidoscópio dos fatos. Enquanto reduzida a essa condição de ser amorfo, ela não sabe distinguir o indiciamento, da denúncia, a denúncia, da sentença, o julgamento. do justiçamento.
Antes de fazer justiça para com o réu, a lei faz justiça para com os operadores do processo. Para que a polícia não passe por incompetente, quando é heróica, e não passe por heróica, quando é incompetente.  Para que o Ministério Público não passe por poderosa autoridade, quando é um simples requerente, e  não passe por simples requerente, quando é poderosa autoridade. Para que o juiz não passe por pusilânime, quando é um escravo da justiça, e não  passe por escravo da justiça, quando é um pusilânime.
Essas são as sábias razões que determinam o sigilo do inquérito policial, porque a barriga fria não combina com a seriedade exigida pelo julgamento de qualquer ser humano. Ela só serve para alimentar a exacerbação do sentimento de injustiça, e para gerar o descrédito nas instituições, podendo desaguar num rebuliço social.



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