sexta-feira, 14 de março de 2014

DE BIBULI CULO

João Eichbaumo

Antigamente, juízes, advogados e jornalistas eram pessoas mais cultas. Eram doutos, como se dizia. Doutores, propriamente, não os havia.
Eles sabiam construir uma frase dentro das regras gramaticais, com sujeito, predicado e verbo nos devidos lugares. Sabiam também construir um discurso claro e, ao mesmo tempo, enriquecido por bom vocabulário.
Sempre sustentei que, sem o conhecimento do latim, não se pode construir um pensamento corretamente, com a clareza e a perfeição gramatical necessárias.
O discurso da pessoa culta é, antes de mais nada, elegante, escorreito, musical.
Mas, hoje, as pessoas cultas estão desaparecendo e dando lugar para juízes, advogados e jornalistas e muitos “doutores” e “pós-doutores”, que não têm intimidade com o vernáculo. Por desconhecerem o latim, desconhecem também o idioma português, que descende diretamente da língua de Cícero. E, por tal razão, raramente se depara com algum discurso elegante, escorreito, musical.
A linguagem da informática, então, acabou de vez com algumas tentativas de se escrever corretamente. Hoje, é comum se ouvir falar em “oportunizar”, “digitalizar” e outras monstruosidades criadas exatamente pela falta de intimidade com o vocabulário português.
Para aparentar sabedoria, bacharéis, que peregrinam por foros e tribunais, de vez em quando arriscam algum axioma jurídico em latim, embora não tenham muita certeza sobre aquilo que dizem. E os “doutores”, brandindo seus diplomas, usam uma linguagem rebuscada, o mais das vezes sem pé nem cabeça, e seguem por aí enganando os mais burros do que eles.
Nesse quadro de insciência geral,  cada um faz o que quer com a língua portuguesa, inventando vocábulos, parindo verbos e atropelando a sintaxe, coisa que me faz lembrar aquele velho ditado popular: “ dominum bibuli culus non habet”.
Tenho certeza de que eu poderia pronunciar essa frase numa sustentação oral perante o Supremo, que nem o mais doutor dos doutores de lá conseguiria traduzi-la.
Algum dos meus leitores teria coragem de repeti-la numa sessão solene qualquer?



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