O MILAGRE DO PADRE ANCHIETA
João Eichbaum
Embora ignorassem a hipocrisia e outros os
vícios da convivência urbana, os índios sabiam das coisas. Conheciam muito bem
os machos, as fêmeas e as fraquezas de cada um: a vaidade dessas e a concupiscência
daqueles, o básico da antropologia. Eles sabiam que uma fêmea pode levar o
macho ao paroxismo, com uma sensação paradisíaca, que nem os deuses
rejeitariam.
E estavam sobrecarregados de razão, cá pra
nós. Enfeitiçado pela mulher, o homem se torna dócil como um cachorrinho, e
logo quer colo e cafuné. Nem voto de castidade é seguro contra cantada de
mulher. E qual é a mulher que resiste à tentação de impor seu domínio sobre o
macho, ainda que o seja pelo escasso tempo exigido pelas glândulas reprodutoras,
que o encharcam de lascívia?
Os índios sabiam disso. E, não por serem
gente fina, mas para torturarem o condenado à morte, mostrando o mal que lhe fazia a finitude ao privá-lo do melhor da
vida, lhe ofereciam uma fêmea. À sua escolha, com os requisitos exigidos
pela concupiscência: lasciva, bela, natural, sem a farsa da borracha sabor
morango.
E punham na frente dele, sem passarela,
sem requebros e sem cílios postiços, virgens recém saídas da meninice,
peitinhos com mamilos endurecidos pelo desejo, partes pudendas desbastadinhas
de pêlos, cascatas de cabelos negros escorrendo pelas costas nuas.
É claro que, desse modo, os índios se
poupavam de perguntar ao macho qual seria seu último desejo. Eles sabiam que
não há paraíso fora da natureza, e que só deuses maus seriam capazes de negar a
felicidade.
A extinção dessa sabedoria indígena teve
início com a palavra do padre José de Anchieta, em cujas pegadas seguiram os
bandoleiros cristãos, apelidados de “bandeirantes”. Seduzido pelos delírios
psicóticos dum padre espanhol que ficara assexuado depois de levar uns tiros
nos bagos, Anchieta renunciou ao melhor de sua juventude, trocando o esplendor
da Europa por um cafundó inóspito. Aqui veio com a missão de destronar Tupan,
para empossar Jesus Cristo. Na mira desse objetivo, passou a intoxicar o
espírito dos indígenas com mistificações e paradoxos. Do conceito pernicioso de
“pecado” à danação dos ingênuos Adão e Eva, por uma culpa que se redime à base
de água, sal e cuspe, lhes foi minando antigas convicções.
Sim, Anchieta foi o pioneiro dessa
barbárie para a qual foi usado como inocente útil: a lavagem cerebral de outros
inocentes, os autóctones, que tiveram sua cultura subvertida pela mitologia
cristã. Foi o primeiro passo para a dizimação da raça.
Conta-se que ele se fez refém voluntário
dos índios tamoios, correndo o risco de ser condenado à morte. Nessa condição,
seguindo os costumes, os índios lhe ofereceram o paraíso antes de morrer: os
encantos de suas mulheres. Segundo a lenda, o jesuita teria resistido à
testosterona, em troca de um poema para outra Virgem, a Maria.
Agora se diz que, mesmo sem ter produzido
milagres, Anchieta será declarado “santo”. Engano irremissível. Ninguém até
hoje produziu tão embasbacador milagre como ele, resistindo às sonoras cantadas
de virgens nuas. Em tupi-guarani.
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