SAMBA-ENREDO
João Eichbaum
O Carnaval mudou. Como mudou a política,
depois que a entregaram aos torneiros mecânicos, aos sindicalistas, e a outros
desocupados. Ou seja, depois que caíram fora os Rui Barbosa, os Joaquim Nabuco,
e muitos ases do verbo e da decência. Como mudou o STF, depois que o “notório
saber jurídico” foi condicionado à cor da pele, ao sexo e ao grau de afinidade
com o Poder.
O Carnaval mudou, dizia eu. Em vez de
lança-perfumes, temos agora cocaína, maconha, crack. Em vez de fantasias, temos
nádegas e peitos de silicone, aperfeiçoando as obras de Deus - concebidas sem
previsão da lei da gravidade. Em vez das marchinhas, temos samba-enredo, um
ramerrão, que tem mais de enredo do que de samba, misturando coisas e loisas.
Com tal mudança, todo mundo viu: esse
Supremo Tribunal Federal, bem na hora, compôs um samba-enredo pré-momesco,
pintando a Justiça como uma mulher meio santa, meio rapariga. Veio a público um
dia antes que o pessoal começasse o retiro espiritual, deixando o espírito nas
igrejas, nos conventos, nos mosteiros, nos cursilhos e se mandando só com o
corpo para a praia, ou para a avenida, sassaricando,
que ninguém é de ferro, oba, oba!
Sim, um dia antes de começar a farra do
carnaval, o STF fez do tema triste do mensalão esse samba-enredo, muito
parecido com o “samba do crioulo doido”, do saudoso Stanislaw Ponte Preta.
Tudo começou quando, segundo Roberto
Jefferson, “o Delúbio Soares botou uma dinamite na cadeira do Lula”. Aí, com a
dinamite, o Lula pulou fora, e o Joaquim Barbosa, que se fez togado graças ao
supra dito Lula, botou a boca em todo mundo.
Mas a tormenta do mau humor não atingiu
a todos os ministros. Cada qual administrou o tema a seu modo. Um continuou
tratando seus votos a adjetivo e advérbio. Outro manteve o jeito de agredir
tímpanos alheios, com discursos políticos. Aquele se entregou ao esquecimento
do Direito Constitucional, para não ser acusado de mal-agradecido. Esse outro
não teve escrúpulo ao borrar a hermenêutica, introduzindo no Direito Penal a
analogia. Aquele lá se despediu do Tribunal, fazendo salada de poesia com
filosofia, para consumo próprio. Esse aqui não pôde esconder das câmeras suas
inseguranças e disfunções. Um engraçadinho sempre assinou presença, temperando
manhas cariocas com molho jurídico. Houve também quem, receando esquecer o
direito trabalhista, guardasse distância regulamentar do Direito Penal. E nada
impediu que as encomendas para o mancebo Roberto Barroso e o vovô Teori Zavaski
chegassem aos destinatários.
Cada um embrulhou a própria verdade.
Então, vistos “et cetera”: quadrilha é peça de festa junina. Estamos no
Carnaval, onde só cai bem o samba-enredo.
Se assim não fosse, os togados
encerrariam a sessão, se abraçando como jogador de futebol depois do gol, e
entoando - ao invés de samba-enredo - a marchinha: “vou beijar-te agora, não me
leve a mal, hoje é carnaval...!”
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