OS BACHARÉIS
João Eichbaum
Sabe vossa senhoria
como se faz salsicha?
Ah,não? Também não sei.
Mas sei como se faz "justiça".
Assim, ó. Como existem
muito mais faculdades de Direito do que fábricas de salsichas, o povo não vai
nessas, mas engrossa as fileiras daquelas.
O indigesto resultado no
vestibular da Universidade Federal não termina com o sonho de ser bacharel.
Sempre há vaga garantida com cifrão em estabelecimentos congêneres.
No fim, pagando ou não
faculdade, gatos e minas fazem festa de formatura com balões, vídeos,
fotografias de quando eram nenês, espumante, palmas, lágrimas, sorrisos,
discursos de agradecimento para o papai, a mamãe, a titia, a vovó, o escambau.
Depois a turma se
divide em: quem precisa e quem não precisa trabalhar. Os primeiros, por via das
dúvidas, continuam no empreguinho de antes, vão fazer qualquer coisa na vida,
ou se encostam nos grandes escritórios para exercer a advocacia ilusória de
carregar processos e copiar e colar petições esteriotipadas.
Vinhos de outra pipa
são os que não precisam trabalhar: os filhinhos de papai ou mamãe, aqueles que
nasceram com a região glútea focada na lua. Senhores e senhoras de juízos e
tribunais, procuradores disso ou daquilo, advogados bem sucedidos, empresários
e profissionais liberais, por exemplo, querem o melhor para os seus. E os
seus não querem um empreguinho qualquer. Querem emprego com ótimo salário, as
mesmas garantias de quem rala no batente pendurado na CLT e muito mais: férias
em dobro, poder, vitaliciedade, e outros penduricalhos, como auxílio moradia,
licença prêmio, etc, etc, etc... Tudo sem o ônus da responsabilidade civil, que
ameaça qualquer cidadão destituído de vitaliciedade.
Claro que uma boca rica
dessas atrai bacharéis às pencas, mas na ponta do funil escoam poucos. E aí,
quem não precisa trabalhar, porque tem bancados casa, cama, comida, bebida,
roupa, calçado e balada, leva vantagem, já que tem todo o tempo do mundo, além
de grana para custear cursos e estudar Direito. Sim, exclusivamente Direito. E
unicamente com a bagagem do Direito, aprovados num concurso para a
magistratura, esses moços e moças ficam encarregados de fazer
"justiça".
Só que o homem não foi
feito para o Direito. Pelo contrário, o Direito é que foi feito para o homem.
Quem não conhece o homem fatalmente aplicará mal o Direito. Mas isso exige experiência, uma experiência
que não se aprende nas letras jurídicas e, sim, com a vida. Porque só a
experiência ensinará que o discurso lógico e simples de uma criança, por
exemplo, não é o campo para a aplicação imediata do Direito, sempre encharcado
de ritos e formalidades, que podem perder para os imprevistos da vida.
Mas esse é o sistema
empregado pelo Poder Judiciário para fazer “justiça”: basta conhecer o Direito
e traduzi-lo em cruzinhas, como se faz com a loteria.
Os erros que advêm dessa seleção não lhe
arrancam “mea culpa”. E pífias explicações transitam em julgado, mesmo
quando a deficiência do sistema desaba como avalanche sobre um inocente, que
lhe veio apenas pedir socorro – e não Justiça.