sexta-feira, 18 de abril de 2014

A PAIXÃO DE JESUS CRISTO


João Eichbaum


Não sei por que foram escolher logo essa palavra, “paixão”, para comemorar a chamada “sexta-feira santa”.
Tá certo que ela é registrada nos dicionários como sinônimo de “sofrimento prolongado, desgosto, mágoa”, mas comumente não se usa nesse sentido, salvo quando a causa é o amor,  um amor não correspondido, um chute no traseiro, ou um amor detonado pela cornice.
Sim, quando o amor é transformado em paixão, o sofrimento vem de carona. Não existe paixão amorosa sem sofrimento: a distância da pessoa idolatrada, ou o ciúme (onde estás, como estás, com quem estás agora?).
E é tão comum, tãp forte esse sentido da palavra paixão, que ela não soa bem nos ouvidos, quando a gente ouve falar da “paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo”.
Mas, vocês notaram que usei o verbo “comemorar”, me referindo à “sexta-feira santa”?
Estarei errado? Você viu alguém chorando por causa de Jesus Cristo, na “sexta-feira santa”?
Não?
Então estamos comemorando e não deplorando essa sexta-feira.
Os mercados não estavam cheios ontem, com gente à procura de peixe e de vinho?
Sexta-feira santa é dia de comemorar com um bom almoço, coisa que não acontece todos os dias, peixo frito, peixe ensopado, à escabeche, filé de peixe com camarão, bacalhau à portuguesa, tudo regado com aquele vinho tinto!
E as crianças, felizes, alvoroçadas, já estão preparando os ninhos para o Coelho da Páscoa.
Ninguém chora, ninguém se lamenta, ninguém se deixa deprimir pelo desequilíbrio químico das lágrimas. Nem o Papa.
Ninguém deplora a “sexta´feira santa”. Muito pelo contrário. Além do bom almoço, tem aquilo que é melhor, o feriadão. É gente se mandando pra serra, pra praia, esticando a folga.
Quer dizer, tudo é motivo de festa. E festa a gente comemora.
Só que ninguém se lembra de agradecer a Jesus Cristo por ter ele escolhido uma sexta-feira para morrer, principalmente quando essa sexta-feira emenda numa preguiçosa segunda-feira, e essa graças ao Tiradentes.
Então, não me tirem a razão: o povo comemora, sim, essa sexta-feira da Paixão. Mas, dominado pelo mito e para cumprir o rito da abstinência de carne, tem nêgo por aí que, de noite, faz a mulher se fantasiar de sereia.





OS MACACOS HUMANOS

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