quarta-feira, 30 de abril de 2014

OS BACHARÉIS
João Eichbaum

Sabe vossa senhoria como se faz salsicha?
Ah,não? Também não sei. Mas sei como se faz "justiça".
Assim, ó. Como existem muito mais faculdades de Direito do que fábricas de salsichas, o povo não vai nessas, mas engrossa as fileiras daquelas. O indigesto resultado no vestibular da Universidade Federal não termina com o sonho de ser bacharel. Sempre há vaga garantida com cifrão em estabelecimentos congêneres.
No fim, pagando ou não faculdade, gatos e minas fazem festa de formatura com balões, vídeos, fotografias de quando eram nenês, espumante, palmas, lágrimas, sorrisos, discursos de agradecimento para o papai, a mamãe, a titia, a vovó, o escambau.
Depois a turma se divide em: quem precisa e quem não precisa trabalhar. Os primeiros, por via das dúvidas, continuam no empreguinho de antes, vão fazer qualquer coisa na vida, ou se encostam nos grandes escritórios para exercer a advocacia ilusória de carregar processos e copiar e colar petições esteriotipadas.
Vinhos de outra pipa são os que não precisam trabalhar: os filhinhos de papai ou mamãe, aqueles que nasceram com a região glútea focada na lua. Senhores e senhoras de juízos e tribunais, procuradores disso ou daquilo, advogados bem sucedidos, empresários e profissionais liberais, por exemplo, querem o melhor para os seus.  E os seus não querem um empreguinho qualquer. Querem emprego com ótimo salário, as mesmas garantias de quem rala no batente pendurado na CLT e muito mais: férias em dobro, poder, vitaliciedade, e outros penduricalhos, como auxílio moradia, licença prêmio, etc, etc, etc... Tudo sem o ônus da responsabilidade civil, que ameaça qualquer cidadão  destituído de vitaliciedade.
Claro que uma boca rica dessas atrai bacharéis às pencas, mas na ponta do funil escoam poucos. E aí, quem não precisa trabalhar, porque tem bancados casa, cama, comida, bebida, roupa, calçado e balada, leva vantagem, já que tem todo o tempo do mundo, além de grana para custear cursos e estudar Direito. Sim, exclusivamente Direito. E unicamente com a bagagem do Direito, aprovados num concurso para a magistratura, esses moços e moças ficam encarregados de fazer "justiça".
Só que o homem não foi feito para o Direito. Pelo contrário, o Direito é que foi feito para o homem. Quem não conhece o homem fatalmente aplicará mal o Direito.  Mas isso exige experiência, uma experiência que não se aprende nas letras jurídicas e, sim, com a vida. Porque só a experiência ensinará que o discurso lógico e simples de uma criança, por exemplo, não é o campo para a aplicação imediata do Direito, sempre encharcado de ritos e formalidades, que podem perder para os imprevistos da vida.
Mas esse é o sistema empregado pelo Poder Judiciário para fazer “justiça”: basta conhecer o Direito e traduzi-lo em cruzinhas, como se faz com a loteria.
 Os erros que advêm dessa seleção não lhe arrancam “mea culpa”. E pífias explicações transitam  em julgado, mesmo quando a deficiência do sistema desaba como avalanche sobre um inocente, que lhe veio apenas pedir socorro – e não Justiça.



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