quarta-feira, 9 de abril de 2014

SEIS POLICIAIS E UMA MULHER GRÁVIDA

João Eichbaum


As dores do parto de Adelir Goes foram interrompidas pelo pânico, na madrugada de primeiro de abril. Quando, atendendo às batidas, abriu a porta, viu que na frente de sua casa havia se instalado um palco de guerra, com seis policiais armados, viatura e ambulância.
Não era pegadinha de bobo. Era a Justiça, com uma arrasadora lufada de autoridade, se antecipando ao destino e transformando a maternidade em caso de polícia: Adelir tinha que juntar suas roupinhas e embarcar na ambulância.
Já que não tinha cursado faculdade de Direito, quer de corpo presente, quer à distância, nem tinha feito concurso para promotor ou juiz, Adelir não sabia que a Constituição Federal assegura no inciso II do artigo 5º: “ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei.” Por isso, contra a vontade, se entregou ao bisturi da Justiça: cortaram-lhe a barriga e lá de dentro retiraram mais um futuro contribuinte da Receita, queira Deus, para garantir o subsídio de juízes e promotores.
A partir daquele momento, a indigente dialética dos doutores e dos  bacharéis propalou pelo ar perguntas que a todos instigam: qual é a lei que obriga a mulher a se submeter a uma cesariana? Que tipo de procedimento autoriza a se “violar a vida privada” de alguém, arrastando o vivente sob escolta policial, como um bandido ordinário, para se submeter a um procedimento cirúrgico, quando a Constituição Federal assegura no inciso X do mesmo artigo 5º que “ a vida privada é inviolável”?
Tal lei não existe, porque a Constituição não deixa fenda para alternativas. O Ministério Público foi cavoucar uma “medida protetiva” no artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que foi feita para esses e não para nascituros.
Por não ser criança, o ente abrigado no ventre materno nem de longe é mencionado no referido Estatuto. Dele se ocupa o Código Civil. Por isso, o promotor não pôde cumprir o que exige o art. 102: a regularização do registro de nascimento.
E por não haver, naquela lei, dispositivo algum que autorize o promotor a requerer e o juiz a determinar o parto cirúrgico, o representante do Ministério Público se valeu, de certo, do inc. V do artigo 101, que lhe permite a “requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial”. Só que, entre “requisitar tratamento” e cercear a liberdade individual, medeia oceânica distância.
Quem sabe ler, e lê o artigo 152 do ECA, não consegue fugir à conclusão de que qualquer medida “protetiva” desata um procedimento sujeito às normas “previstas na legislação processual vigente”. E a lei processual não dispensa o contraditório.
Mas, já que foi tudo feito na calada do noite, ao arrepio da lei e com violação expressa da Constituição Federal, no procedimento não houve lugar para o contraditório, para os recursos, para o direito de defesa, enfim, para nada que garantisse a legalidade do processo. Foi um processo impermeável ao Direito, todo feito na primeira pessoa e costurado no absoluto, com um fio só: sentença, execução e coisa julgada. Como se a Justiça fosse a senhora da vida e da morte, que essa, sim, não recebe apelação.


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