SEIS POLICIAIS E UMA MULHER GRÁVIDA
João Eichbaum
As dores do parto de Adelir Goes foram
interrompidas pelo pânico, na madrugada de primeiro de abril. Quando, atendendo
às batidas, abriu a porta, viu que na frente de sua casa havia se instalado um
palco de guerra, com seis policiais armados, viatura e ambulância.
Não era pegadinha de bobo. Era a Justiça,
com uma arrasadora lufada de autoridade, se antecipando ao destino e
transformando a maternidade em caso de polícia: Adelir tinha que juntar suas
roupinhas e embarcar na ambulância.
Já que não tinha cursado faculdade de
Direito, quer de corpo presente, quer à distância, nem tinha feito concurso
para promotor ou juiz, Adelir não sabia que a Constituição Federal assegura no
inciso II do artigo 5º: “ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma
coisa, senão em virtude de lei.” Por isso, contra a vontade, se entregou ao
bisturi da Justiça: cortaram-lhe a barriga e lá de dentro retiraram mais um
futuro contribuinte da Receita, queira Deus, para garantir o subsídio de juízes
e promotores.
A partir daquele momento, a indigente
dialética dos doutores e dos bacharéis
propalou pelo ar perguntas que a todos instigam: qual é a lei que obriga a
mulher a se submeter a uma cesariana? Que tipo de procedimento autoriza a se
“violar a vida privada” de alguém, arrastando o vivente sob escolta policial,
como um bandido ordinário, para se submeter a um procedimento cirúrgico, quando
a Constituição Federal assegura no inciso X do mesmo artigo 5º que “ a vida
privada é inviolável”?
Tal lei não existe, porque a
Constituição não deixa fenda para alternativas. O Ministério Público foi
cavoucar uma “medida protetiva” no artigo 101 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, que foi feita para esses e não para nascituros.
Por não ser criança, o ente abrigado no
ventre materno nem de longe é mencionado no referido Estatuto. Dele se ocupa o
Código Civil. Por isso, o promotor não pôde cumprir o que exige o art. 102: a
regularização do registro de nascimento.
E por não haver, naquela
lei, dispositivo algum que autorize o promotor a requerer e o juiz a determinar
o parto cirúrgico, o representante do Ministério Público se valeu, de certo, do
inc. V do artigo 101, que lhe permite a “requisição de tratamento médico,
psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial”. Só que,
entre “requisitar tratamento” e cercear a liberdade individual, medeia oceânica
distância.
Quem sabe ler, e lê o artigo 152 do ECA,
não consegue fugir à conclusão de que qualquer medida “protetiva” desata um
procedimento sujeito às normas “previstas na legislação processual vigente”. E
a lei processual não dispensa o contraditório.
Mas, já que foi tudo feito na calada do
noite, ao arrepio da lei e com violação expressa da Constituição Federal, no
procedimento não houve lugar para o contraditório, para os recursos, para o
direito de defesa, enfim, para nada que garantisse a legalidade do processo.
Foi um processo impermeável ao Direito, todo feito na primeira pessoa e
costurado no absoluto, com um fio só: sentença, execução e coisa julgada. Como
se a Justiça fosse a senhora da vida e da morte, que essa, sim, não recebe
apelação.
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