FENÔMENO
João Eichbaum
Vossa Senhoria, que
nunca ficou dependurado na interrogação, nem precisou navegar pela Internet, ou
vasculhar dicionários e alfarrábios do gênero , procurando o significado da
palavra fenômeno, sabe que “fenômeno” é sinônimo de “prodígio”: é algo
extraordinário, fora da normalidade nas galáxias, no mar e na terra. Tipo assim,
galinha botando ovo quadrado ou galo cantando ópera.
Mas, os que não sabiam,
nem pesquisaram, engoliram em seco a palavra. E agora estão envenenados pelas
notícias esportivas. No bestunto deles, o Ronaldo Nazário é fenômeno.
Para quem assim
considera o Ronaldo, fenômeno então é o cara que se descarta duma exorbitância
de mulher tipo Daniela Cicarelli, como quem muda de cueca. E, seja porque não
encontre nada nos mulherões, seja porque sinta cãibras na coreografia do amor,
ou seja porque as mulheres nada encontrem de aproveitável nele, o dito vai à
caça de travestis.
Fenômeno é o cara que
amarela numa final de Copa do Mundo, tem chiliques, baba, treme, perde a noção
de tudo e, dentro das quatro linhas, fica olhando o Zidane jogar.
Fenômeno, para quem não
tem noção do verdadeiro sentido da palavra, é o sujeito que ganha rios de
dinheiro para servir de modelo em campanha publicitária contra a obesidade e se
transforma literalmente num rotundo fracasso. Mas, mesmo desorganizado em sua
vida pessoal, é escolhido para compor o Comitê Organizador Local do caça-níquel
da Fifa.
Quem nunca viu Pelé
jogar, não tem como qualificá-lo. O Pelé que, aos dezoito anos, deixou o
mundo inteiro babando, diante de sua inteligência, de seu modo de enganar o
adversário, de seu modo de tratar a bola, não pode ser considerado fenômeno.
Porque ele nem de longe lembra o Ronaldo Nazário, em cultura, bom senso e
fineza de ser humano. Pelé, que foi um artista da bola, tem curso superior,
fala fluentemente inglês, jamais carregou junto ao nome o aposto “fenômeno”. É chamado de “rei”. Mas rei sem
linhagem qualquer um pode ser. Até cocada preta tem rei.
O Ronaldo Nazário só
não é analfabeto, porque consegue soletrar alguma coisa. Mas é fenômeno. É o
padrão Fifa de qualificação pessoal. O paradigma Fifa que engana tipos
como Lula, com a balela de que Copa do Mundo é o máximo!
Mas, estamos no Brasil,
o país dos apedeutas. Aqui, os verdadeiros fenômenos, Einstein, Mozart,
Michelangelo, não contam. Aqui os melhores programas de televisão são as
novelas da Globo e o BBB, e os melhores políticos são os do norte e
nordeste: Sarney, Collor, Renan Calheiros, Lula...Enfim, esse é um lugar onde a
vida é o que não deveria ser.
Considerando tudo isso,
o gordo aquele merece ser chamado de “fenômeno”. Porque o “fenômeno” brasileiro
se abstrai de qualquer valor: na catraca da ignorância tudo passa.
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