CIDADÃOS ACIMA DOS
HUMANOS
João Eichbaum
O Brasil inteiro caiu
no “conto do goleiro Aranha”. Manchetes próprias para barbáries inomináveis,
páginas e páginas, artigos, comentários, entrevistas de metidos a “pensador”
ocuparam grandes espaços na imprensa porque, no jogo entre Grêmio e
Santos, o jogador acima mencionado foi chamado de “macaco”.
A palavra foi entoada
em coro. Mas, além do Grêmio, que não participou, nem regeu o coral, só duas
pessoas, uma moça chamada Patrícia e o árbitro Wilton Sampaio, pagaram o
pato. Num ato próprio de tiranos, a moça foi demitida sumariamente do emprego,
sem aviso prévio, sem advertência, como se o comportamento em campo de futebol
fizesse parte de seu contrato de trabalho. Atearam-lhe fogo à casa, e só faltou
ser levada ao cadafalso em praça pública.
Aqui no Rio Grande
nunca se vilipendiou, nunca se espezinhou alguém como a essa moça. Numa
agressão de valores mais irracional que os vitupérios de campo de futebol, seus
linchadores passaram um atestado público de ignorância em antropologia. Eles
não sabem que o futebol é o espectro social da paixão. Eles não sabem que o
fanatismo em campo de futebol é doença, cegueira, irracionalidade. Eles não
sabem que, mesmo com o verniz da civilização, o homem não deixou de ser animal
egoísta. Depois da atitude provocativa do goleiro, "ensebando o
jogo", queriam o quê? Que a torcida em peso implorasse carinhosamente
"não faz assim, fofo"?
São poucos os que, como
Pelé, o insuperável Pelé, com a classe e a soberania de um rei, mostram que realmente
conhecem o futebol: "se eu fosse parar o jogo a cada vez que me chamassem
de macaco ou crioulo, todo jogo teria que parar".
Se algum jogador de
futebol brasileiro fosse investido da honra de amarrar as chuteiras do Pelé,
podem ter certeza, esse não seria o goleiro Aranha.
Os acontecimentos na
Arena do Grêmio têm origem nesse fanatismo vesgo, que só enxerga “racismo” e
“homofobia” por toda a parte. E o Aranha, astucioso que é, soube tirar proveito
disso: provocou a torcida gremista “fazendo cera". Levou-a ao paroxismo da
paixão, criou clima para que o ofendessem. Aí, atraiu os holofotes e, se
sentindo dono do campo e do jogo, acobertado pelo poder do “coitadismo”, foi
exigir do árbitro uma atitude contra aqueles atos de “racismo”.
Assim como a moça, o
árbitro foi vítima da irracionalidade: além de suspenso, teve que pagar multa,
porque não caiu no engodo do jogador. Estava só cumprindo seu dever e
repudiou o “anti-jogo” do espertalhão. Não se deixou ludibriar por uma agressão
provocada. Preferiu respeitar a multidão que queria ver futebol.
Discriminação e racismo
se combate com educação e não com privilégios. Se algum candidato a deputado
federal tiver coragem, se apresente. É preciso revogar esse galardão conferido
a cidadãos intocáveis, “acima de qualquer suspeita”. Basta de desnivelamento.
Que se cumpra o que está escrito na Constituição Federal: todos são iguais
perante a lei. Ou se acrescente, sem hipocrisia, àquele inciso: “com exceção de
brancos e heterossexuais”.
PS. O árbitro
injustiçado é negro e este escriba, colorado.
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