quarta-feira, 17 de setembro de 2014

CIDADÃOS ACIMA DOS HUMANOS
João Eichbaum


O Brasil inteiro caiu no “conto do goleiro Aranha”. Manchetes próprias para barbáries inomináveis, páginas e páginas, artigos, comentários, entrevistas de metidos a “pensador” ocuparam grandes espaços na imprensa porque, no jogo entre Grêmio e  Santos, o jogador acima mencionado foi chamado de “macaco”.
A palavra foi entoada em coro. Mas, além do Grêmio, que não participou, nem regeu o coral, só duas pessoas, uma moça chamada Patrícia e o árbitro Wilton Sampaio,  pagaram o pato. Num ato próprio de tiranos, a moça foi demitida sumariamente do emprego, sem aviso prévio, sem advertência, como se o comportamento em campo de futebol fizesse parte de seu contrato de trabalho. Atearam-lhe fogo à casa, e só faltou ser levada ao cadafalso em praça pública.
Aqui no Rio Grande nunca se vilipendiou, nunca se espezinhou alguém como a essa moça. Numa agressão de valores mais irracional que os vitupérios de campo de futebol, seus linchadores passaram um atestado público de ignorância em antropologia. Eles não sabem que o futebol é o espectro social da paixão. Eles não sabem que o fanatismo em campo de futebol é doença, cegueira, irracionalidade. Eles não sabem que, mesmo com o verniz da civilização, o homem não deixou de ser animal egoísta. Depois da atitude provocativa do goleiro, "ensebando o jogo", queriam o quê? Que a torcida em peso implorasse carinhosamente "não faz assim, fofo"?
São poucos os que, como Pelé, o insuperável Pelé, com a classe e a soberania de um rei, mostram que realmente conhecem o futebol: "se eu fosse parar o jogo a cada vez que me chamassem de macaco ou crioulo, todo jogo teria que parar".
Se algum jogador de futebol brasileiro fosse investido da honra de amarrar as chuteiras do Pelé, podem ter certeza, esse não seria o goleiro Aranha.
Os acontecimentos na Arena do Grêmio têm origem nesse fanatismo vesgo, que só enxerga “racismo” e “homofobia” por toda a parte. E o Aranha, astucioso que é, soube tirar proveito disso: provocou a torcida gremista “fazendo cera". Levou-a ao paroxismo da paixão, criou clima para que o ofendessem. Aí, atraiu os holofotes e, se sentindo dono do campo e do jogo, acobertado pelo poder do “coitadismo”, foi exigir do árbitro uma atitude contra aqueles atos de “racismo”.
Assim como a moça, o árbitro foi vítima da irracionalidade: além de suspenso, teve que pagar multa, porque não caiu no engodo do jogador.  Estava só cumprindo seu dever e repudiou o “anti-jogo” do espertalhão. Não se deixou ludibriar por uma agressão provocada. Preferiu respeitar a multidão que queria ver futebol.
Discriminação e racismo se combate com educação e não com privilégios. Se algum candidato a deputado federal tiver coragem, se apresente. É preciso revogar esse galardão conferido a cidadãos intocáveis, “acima de qualquer suspeita”. Basta de desnivelamento. Que se cumpra o que está escrito na Constituição Federal: todos são iguais perante a lei. Ou se acrescente, sem hipocrisia, àquele inciso: “com exceção de brancos e heterossexuais”.
PS. O árbitro injustiçado é negro e este escriba, colorado.



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