quarta-feira, 10 de setembro de 2014

O MARIDO DO PRÓXIMO
João Eichbaum


Todo mundo sabe que o STF derrogou o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal, revogando junto com ele as leis da natureza, que dotam homens de espermatozoides e mulheres com óvulos. Para dizer que macho também é fêmea e fêmea também é macho no quarto escuro do Direito brasileiro, Luiz Fux, construiu o seguinte hieróglifo: “traduz-se na “mais-valia” jurídica a que se refere JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE... vale dizer, um reforço de juridicidade das normas de direitos fundamentais, que disporiam de outros efeitos para além daqueles relacionados com a perspectiva subjetiva”.
Ou esse outro, entre os muitos metidos num labirinto de linguagem, que torna difícil até o orgasmo:“...deriva das normas constitucionais definidoras desses direitos fundamentais que a organização e o procedimento capazes de afetá-los sejam conformados de modo a assegurar o seu exercício ou a sua efetividade, observada a ponderação dos valores jusfundamentais em causa”.
Claro que ninguém - nem o togado Luiz Fux - escreve para ser ilegível. Ninguém escreve para deixar o leitor como gato vesgo, que não sabe qual dos ratos pegar. Acontece que a arte da escrita não é produzida por diplomas. E mais: depois de angariado o diploma de doutor, tem gente que nem sabe traduzir o que escreveu em seus prolixos e diarrreicos textos.
A professora alfabetizadora do Luiz Fux, se é que tentou ler o voto do seu ex-aluno, deve ter levado as mãos muito além da cabeça branca, para exclamar: “não foi isso que eu lhe ensinei!” Mas ela, como toda e qualquer pessoa que tem um pingo de conhecimentos de vernáculo e hermenêutica, há de concordar que não restava outra alternativa para o Luiz Fux, senão se valer da ambiguidade e do rompimento com a sintaxe, para fazer o que ele fez.
Realmente, só com prestidigitação verborrágica de dar cãibra na língua se consegue extrair do § 3º do art. 226 da Constituição Federal (“para efeitos da proteção do Estado é reconhecida a união estável entre homem e mulher”) a ideia de que a lei oficializa o acasalamento material e jurídico de homem com homem e de mulher com mulher.
Os hieróglifos do Fux acabaram atiçando a chama de poder do CNJ, que se arvorou em legislador e estabeleceu normas para o “casamento” entre homossexuais. Ambas as decisões, a do STF e a do CNJ, porém, não bastaram para satisfazer uma considerável fatia de eleitores e de alguns órgãos de imprensa, que cobram ninguém sabe o quê , de Marina Silva agora, sobre o assunto. E como ela não disse o que eles queriam ouvir, parece que a candidata à presidência estacionou nas pesquisas.
Bem. Se a religiosidade de Marina impedir que ela empreste a esse tema a mesma importância que exigem a economia, a dívida pública, a saúde, a segurança, a educação e o emprego, certamente os “prejudicados” irão repudiá-la. E se ela vencer, recorrerão ao STF de novo.
Aí nós, da arquibancada, queremos ver o Fux estendendo a jurisprudência dele ao nono mandamento bíblico: “não desejar a mulher, nem o marido do próximo”.



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