PARA NÃO DIZER QUE
NÃO FALEI DO TRINTA E SETE
Themístocles de
Araripe Jr*
O morador de rua, que
dorme ao relento, debaixo de marquises e viadutos, ou sobre os bancos das
praças, não tem direito a "auxílio-moradia". O trabalhador braçal,
que sobrevive com salário mínimo e reparte a miséria com a família, não tem
direito a "auxílio-moradia". Aqueles que vivem do próprio trabalho
não têm direito a "auxílio-moradia".
Experimente você, que
vive exclusivamente do seu trabalho, ir à Justiça, pedir "auxílio-moradia",
ou descontar do Imposto de Renda o seu aluguel. Terá que contratar advogado,
pagar custas ou provar que não tem onde cair morto e esperar anos, para receber
um “não”, com a assinatura digital do meritíssimo em cima da sentença prolatada
pelo estagiário.
No Brasil é assim: o
paradigma de moral dos Três Poderes são os privilégios, as benesses, as
mordomias da casta de políticos e togados, que vivem à custa dos assacados pela
Fazenda, eufemisticamente chamados de "contribuintes". Os únicos
mamíferos que têm direito aos ubres da vaca pública pertencem a essa casta. E
com o leite da vaca vem de brinde o "auxílio-moradia".
Se você gostou da
lenga-lenga acima dê uma olhada no que diz o artigo 37 da Constituição Federal:
“a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade...”
Qualquer pessoa que
não seja analfabeta funcional entenderá perfeitamente: Executivo, Legislativo e
Judiciário devem obedecer aos princípios da legalidade, da moralidade, da
impessoalidade, etc.
O mais ignorado pelos
agentes públicos é o princípio da impessoalidade: ele separa o indivíduo de sua
função, do seu cargo, do poder que exerce. Ele retira do homem toda e qualquer
marca que o possa diferenciar dos demais cidadãos.
Quer dizer: a lei não
pode favorecer a pessoa do governante, do parlamentar, do juiz. E muito menos a
família deles. Na vida particular dos agentes públicos a lei não pode
interferir, botando privilégios e regalias nos seus sapatinhos.
Cargo é cargo. O
cargo é impessoal. O doutor fulano, o doutor beltrano e o doutor sicrano não
são donos de seus cargos. Esses independem daqueles, pertencem à estrutura do
Poder. No dia em que o doutor bater as botas, o cargo continuará, outra pessoa
será investida nele. A fila vai continuar andando.
O princípio da
“impessoalidade” tem em mira, sobretudo, o respeito a outro princípio, o da
isonomia, sem o qual não existe democracia: todos são iguais perante a lei.
Como não escrevo para
analfabetos funcionais, sei que o leitor entenderá a razão pela qual o
“auxílio-moradia” para agentes públicos viola a ordem constitucional. O
benefício esbarra tanto no artigo 5º, que consagra a isonomia, como no art. 37,
que, de tão claro, é capaz de produzir cegueira.
* Seus títulos estão no cartório, para protesto.
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