sexta-feira, 3 de outubro de 2014



PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DO TRINTA E SETE
Themístocles de Araripe Jr*
O morador de rua, que dorme ao relento, debaixo de marquises e viadutos, ou sobre os bancos das praças, não tem direito a "auxílio-moradia". O trabalhador braçal, que sobrevive com salário mínimo e reparte a miséria com a família, não tem direito a "auxílio-moradia". Aqueles que vivem do próprio trabalho não têm direito a "auxílio-moradia".
Experimente você, que vive exclusivamente do seu trabalho, ir à Justiça, pedir "auxílio-moradia", ou descontar do Imposto de Renda o seu aluguel. Terá que contratar advogado, pagar custas ou provar que não tem onde cair morto e esperar anos, para receber um “não”, com a assinatura digital do meritíssimo em cima da sentença prolatada pelo estagiário.
No Brasil é assim: o paradigma de moral dos Três Poderes são os privilégios, as benesses, as mordomias da casta de políticos e togados, que vivem à custa dos assacados pela Fazenda, eufemisticamente chamados de "contribuintes". Os únicos mamíferos que têm direito aos ubres da vaca pública pertencem a essa casta. E com o leite da vaca vem de brinde o "auxílio-moradia".
Se você gostou da lenga-lenga acima dê uma olhada no que diz o artigo 37 da Constituição Federal: “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade...”
Qualquer pessoa que não seja analfabeta funcional entenderá perfeitamente: Executivo, Legislativo e Judiciário devem obedecer aos princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, etc.
O mais ignorado pelos agentes públicos é o princípio da impessoalidade: ele separa o indivíduo de sua função, do seu cargo, do poder que exerce. Ele retira do homem toda e qualquer marca que o possa diferenciar dos demais cidadãos.
Quer dizer: a lei não pode favorecer a pessoa do governante, do parlamentar, do juiz. E muito menos a família deles. Na vida particular dos agentes públicos a lei não pode interferir, botando privilégios e regalias nos seus sapatinhos.
Cargo é cargo. O cargo é impessoal. O doutor fulano, o doutor beltrano e o doutor sicrano não são donos de seus cargos. Esses independem daqueles, pertencem à estrutura do Poder. No dia em que o doutor bater as botas, o cargo continuará, outra pessoa será investida nele. A fila vai continuar andando.
O princípio da “impessoalidade” tem em mira, sobretudo, o respeito a outro princípio, o da isonomia, sem o qual não existe democracia: todos são iguais perante a lei.
Como não escrevo para analfabetos funcionais, sei que o leitor entenderá a razão pela qual o “auxílio-moradia” para agentes públicos viola a ordem constitucional. O benefício esbarra tanto no artigo 5º, que consagra a isonomia, como no art. 37, que, de tão claro, é capaz de produzir cegueira.
* Seus  títulos estão no cartório, para protesto.







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