terça-feira, 10 de maio de 2016

A LITERATICE INÚTIL NO DISCURSO JURÍDICO
João Eichbaum

Depois de gastar 11 laudas, relatando o pedido do Procurador Geral e as alegações da defesa, Teori Zavaski começou assim seu sinuoso discurso, convencionalmente chamado decisão, para afastar Eduardo Cunha das atividades parlamentares:
“O deferimento de medidas cautelares, no processo penal, pressupõe escrutínio que não se confunde com o juízo de culpa. Embora também atraia uma avaliação a respeito da conduta das pessoas de interesse das investigações, o exame cautelar não comporta nem a mesma profundidade, nem os mesmos parâmetros, nem a mesma finalidade de um veredicto de condenação”.
Trata-se de explicações desnecessárias sobre o “modus judicandi” das medidas cautelares penais. Mas  a composição da sentença, essencialmente técnica, dispensa lições desse gênero. Processo não é cátedra de magistério. O supérfluo em nada contribui para a formação de um juízo. Teori Zavaski, pela idade que tem, já devia ter aprendido isso.
Dissequemos o gongórico texto. “Pressupõe escrutínio”. Escrutínio? Ora, ora. A linguagem de uso corrente e a própria linguagem jurídica empregam o vocábulo “escrutínio” como sinônimo de sufrágio, apuração de votos. Só os dicionários lhe emprestam também o sentido de “exame minucioso, investigação”.
O “escrutínio” do deferimento “das medidas cautelares, no processo penal...”não se confunde com o juízo de culpa”. Mas, como assim? A culpa pelos fatos que autorizam a medida cautelar penal é irrelevante? Não há diferença entre culpado e inocente? Ambos são passíveis de ônus penais, independentemente de culpa?
A contradição é imperdoável. O ministro desperdiçou um tempo, que não é dele, mas da função que exerce. Debruçou-se sobre 62 laudas, para “deferir” medida cautelar penal, sem examinar a culpa de Eduardo Cunha em relação aos fatos que desencadearam o pedido liminar do Ministério Público?
Teori quis dizer o seguinte: a medida cautelar e a sentença de mérito exigem raciocínios distintos. Quis dizer isso, mas não conseguiu, porque sua preocupação maior foi a de ornar sua redação com um estilo pomposo, empolado, próprio do linguajar dos deuses, que acabou sinuoso como o caminho de uma centopeia.
Não é necessário passar da primeira frase para desnudar vícios de forma que contaminam todo o texto. A prolixidade e o enxerto de palavras catadas no dicionário estão mais perto da artificialidade do que da certeza científica do Direito. A premissa maior que, no caso, é o princípio fundamental inscrito no art. 2º da Constituição Federal, ficou perdida na ambiguidade. Resultado: desatou-se a insegurança jurídica  e a lei, neste país, passou a valer menos do que as ordens de uma dona de cabaré. Que o diga o deputado Maranhão.



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