João
Eichbaum
Hoje me deparei com uma delas. Com os cabelos escuros,
brilhando ao sol, os olhos arregalados, quase fixos, debruados com pestanas e
sobrancelhas rigorosamente iguais à cor do cabelo, ela caminhava devagar, toda
precavida, como quem se cuida para não pisar na merda.
Mas aquele andar vagaroso não traduzia exatamente o
receio de pisar em dejetos indeferidos pelo sistema digestivo. Era o sinal da
segunda indesejável, aquela que ninguém dá conta, vem devagar, emite alguns
avisos e, se a morte não chegar antes, é a vez dela: a velhice.
É, sim. Assim é, exatamente: as criaturas humanas, e
as mulheres, numa proporção bem maior, não aceitam a velhice. E aí repuxam a
cara, para cima, para baixo, para os lados, esticam o quê e como podem, com a
intenção única de enganar transeuntes, mostrando-lhes uma idade incerta e não
sabida.
Só que a juventude, que elas pensam em estampar nas
suas faces esticadas à custa de bisturi, só existe no espelho delas. Na rua, o
andar de velho é indisfarçável, não há
cirurgião que consiga o milagre de escondê-lo.
Sem que seja necessário olhar para o pescoço e as mãos
encarquilhadas, a gente já sabe que o bisturi andou passeando pela cara
daquelas criaturas.
E há bisturis e bisturis. Os bisturis baratos, pagos
em vinte e quatro prestações com juros e correção monetária, ou os bisturis
manejados por estagiários do sexto ano, nas aulas práticas de cirurgia, sem
querer fazer trocadilhos, dão na cara.
Mas, as criaturas parecem ter eliminado o adjetivo
“ridículo” dos seus dicionários. Saem pelas ruas, comemorando uma falsa
juventude, cuidando para não piscar os olhos, nem largar puns, mergulhadas no
desconhecimento de que a estética, na velhice, só combina com cabelos brancos e
rugas.
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