terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A TELEVISÃO NACIONAL E A HUMANA ESTUPIDEZ

Janer Cristaldo



Não. Não vou discutir a ridícula história do suposto estupro ocorrido durante o tal de Big Brother Brasil. Primeiro, porque não assisto à televisão nacional. Segundo, porque jamais assistiria ao BBB. Certa vez, para saber do que se tratava, tentei ver o programa. Não consegui agüentar cinco minutos. E o BBB, pelo que me consta, tem milhões de espectadores. Haja pobreza mental neste país.


Vou discutir, isto sim, as ridículas reações da imprensa ao ridículo programa. A última Veja, por exemplo, deu nada menos que oito páginas a um episódio que não merecia sequer oito linhas. Pelos jornais, fico sabendo que, às seis da manhã de domingo passado, numa emissão pay-per-view da Globo, um dos palhaços do reality show teria estuprado, sob um edredom, uma outra idiota que dormia.


Duas considerações, para começar. Primeiro, tanto estuprador como vítima negam o estupro. Que o estuprador negue, entende-se. Mas se a vítima nega, então não há estupro algum. E portanto razão nenhuma para esse alarido da imprensa. Em segundo lugar, é preciso ser muito estúpido para pagar para ver um programa estúpido como aquele, às seis horas da madrugada. Eu não o assistiria nem que me pagassem.


Tenho lido reclamações, tanto nos jornais como na Internet, contra a televisão, contra a rede Globo, contra o BBB. Não as entendo. O controle remoto tem dois botõezinhos, on e off. Basta clicar no segundo e o telespectador está protegido de qualquer infâmia. Leio na reportagem da Veja que a repercussão do programa no Twitter atingiu a marca de 116 mil tuiteiros. Ou seja, havia pelo menos 116 mil idiotas preocupados com o BBB.


Desde há muito, há uma grita geral contra o baixo nível da televisão nacional. Grita besta. Se você acha que a televisão tem baixo nível, não a ligue. Ninguém é obrigado a assistir a programas idiotas. Assiste porque quer. No fundo, parece existir a noção de um certo direito a assistir TV, e neste certo direito vem embutida a noção de assistir a bons programas. Ora, televisão precisa de público. Necessitando de público, explora os baixos instintos deste público. Quem faz a televisão não são seus programadores, mas essa gentinha que paga para ver idiotas se esfregando sob lençóis às seis da madrugada.


A televisão criou um dos personagens mais repelentes desta nossa era midiática, a tal de celebridade. Uma analfabeta qualquer, desde que tenha algumas curvas, vira celebridade da noite para o dia, porque a televisão quer. E por que a televisão quer? Porque sabe que se dirige a um público de analfabetos, à gente que não lê, e que pede heróis do mesmo nível de analfabetismo. Que ninguém se queixe. A televisão que existe no Brasil é a televisão que os brasileiros querem. Diga-se o mesmo do governo. Que ninguém pretenda programas inteligentes em um país que elege - e reelege - um analfabeto para a Presidência da República.


Nunca tive boas relações com a televisão. Até os trinta, o aparelhinho não existia em minha casa. Certa vez, quando vivia em Porto Alegre, recebi a visita de moça muito linda, mas carente de cérebro. Espantou-se com a nudez de meu apartamento. Não tens televisão? Não, não tinha. Rádio? Muito menos. E carro? Também não. Então deves ser louco. Talvez fosse, mas vivia muito em paz comigo mesmo, sem rádio, televisão ou carro. Tinha, isto sim, livros. Mas isto pouco interessava à moça.


Só fui conhecer televisão em Paris, em 77. Era correspondente de um jornal gaúcho. Embora falasse razoavelmente o francês, precisava de mais intimidade com a língua e com a política nacional. A televisão então me pareceu ser útil. Mais ainda, tinha alguns programas interessantes, como o de Bernard Pivot, que entrevistou em seu ofício mais de oito mil escritores. Ano passado, fiz um despilfarro: comprei uma televisão de 56 polegadas. Eu a uso para ver filmes ou documentários. Mesmo na televisão a cabo, não vislumbro muita vida inteligente.


Tenho um vício, é verdade, que já confessei. É assistir aos pastores televisivos na madrugada. Mas é vício que me informa sobre a incultura das gentes. Vivo em uma pequena bolha de amigos cultos e, para conhecer a idiotice ambiente, nada melhor que vê-la concentrada em templos no conforto de meu sofá. Dá muito trabalho sair de casa para ter uma idéia da ignorância que me cerca.


Eu a contemplo então, perplexo, na telinha. Milhares de pessoas, na madrugada, gastando tempo de descanso, para ouvirem, extasiadas, vigaristas de baixo nível. Meus prediletos são Edir Macedo, R.R. Soares, o ao apóstolo Valdemiro e a bispa Sonia Hernández. Aquela que um dia disse: “gente, Deus é uma coisa quentinha”. Saiu de seis meses de prisão nos Estados Unidos, por evasão de divisas, e retornou, olímpica, a seu programa. Quatro ou cinco mil panacas a veneram cada noite em seu templo.


Penso que, neste sentido, a televisão até que educa. É uma forma de tomarmos contato com a humana estupidez sem sair de casa.




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