Janer Cristaldo
A edição de ontem do Estadão traz uma foto surrealista: uma procissão de craqueiros desfilando pelo centro da cidade, protegidos por uma viatura policial. Só faltou o andor. Pois uma Nossa Senhora do Crack já existe.
A edição de ontem do Estadão traz uma foto surrealista: uma procissão de craqueiros desfilando pelo centro da cidade, protegidos por uma viatura policial. Só faltou o andor. Pois uma Nossa Senhora do Crack já existe.
Escreve o repórter William Cardoso: “A estratégia de impor dor e sofrimento aos dependentes criou uma situação inusitada no primeiro sábado após a ocupação da cracolândia, no centro de São Paulo. Com o tráfico a todo vapor e sem conseguir cortar a rota de fornecimento da droga, restou à PM escoltar pelas ruas centrais da cidade grupos gigantescos, de até cem pessoas, em uma estranha "procissão do crack", iluminada pelos Giroflex das viaturas noite adentro. A perseguição aos usuários criou uma "cracolândia itinerante" no quadrilátero entre as Avenidas Duque de Caxias, São João e Ipiranga e Estação da Luz. Em alguns momentos de "folga" na caminhada forçada imposta pela polícia, os grupos paravam para acender os cachimbos e descansar. Depois de alguns minutos, voltavam a andar. Sem destino”.
Há uma política de morde-e-assopra por parte das autoridades no que diz respeito ao problema da droga – escrevia eu na semana passada. Comprar pode, o que não pode é vender. Hoje e durante todo o mês de janeiro, cem policiais militares estarão protegendo, com cara de palhaços, os nóias cachimbando à sua frente. O governo aposta em que, coibindo o tráfico na Cracolândia, o problema estará resolvido. Ora, o tráfico é ágil. Do dia para a noite, saberá como encontrar sua clientela. Se entra até nas prisões, não lhe será difícil abastecer o mercado nas ruas.
Prova disto são as centenas de drogados perambulando e fumando no centro da cidade, sob o olhar complacente da polícia. Se um nóia pode consumir droga na frente de policiais, é de perguntar-se o que os policiais fazem na cracolândia. As medidas do governo são apenas cosméticas. E atendem a disputas políticas. A operação foi desfechada terça-feira passada. Teve como único resultado dispersar os zumbis pelos bairros vizinhos de Higienópolis e Santa Cecília. Algumas aves de arribação já transitam por minha rua.
Demonstrada a ineficácia das medidas, o governo passou a eximir-se de responsabilidades. Na sexta-feira – ou seja, quatro dias após o desfecho da operação – tanto Alckmin como Kassab declararam não ter conhecimento da iniciativa da Polícia Militar. Precisaram de quatro dias para saber do que todos os dias esteve na primeira página dos jornais. Catia Seabra, da Folha de São Paulo, esclarece a motivação de ambos: “Apesar do distanciamento político, Gilberto Kassab (PSD) e Geraldo Alckmin (PSDB) se uniram por temer que o ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT), anunciasse algum pacote federal para a área, imprimindo no prefeito e no governador o rótulo de inoperantes”.
Como a ação policial resultou em rotundo fiasco, tanto Alckmin como Kassab fingiram ignorar o que ocorria sob seus narizes. Mas o melhor vem agora. Na mesma sexta-feira, a Defensoria Pública de São Paulo distribuía, na área da cracolândia, uma cartilha com os direitos dos nóias. No informativo, os defensores informam telefones das corregedorias da Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana para encaminhamento de denúncias contra eventuais abusos de policiais e guardas.
Os panfletos informam, também, direitos básicos dos craqueiros como:
1) sempre ser tratado com educação e respeito;
2) ficar, sentar ou deitar ou reunir-se em local público, desde que pacificamente;
3) saber o motivo pelo qual está sendo abordado.
Ou seja, os drogados podem jogar pedras nos policiais, chutar e quebrar carros. Mas devem ser tratados com fidalguia. Têm todo o direito de fechar ruas, afinal podem ficar, sentar, deitar ou reunir-se onde quiserem. Ao conferir o estranho direito de deitar na rua, a Defensoria está defendendo o direito de dormir. E se defende o direito de dormir, está defendendo o direito de morar na rua. Quanto ao cidadão que trabalha e paga IPTU, este que busque outras ruas para andar.
Alguém acha que se chegará a uma solução do problema quando a polícia escolta magotes de drogados passeando pelas ruas do centro? Passeando e se drogando, com a proteção de uma viatura policial?
Ora, contem outra.
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