sexta-feira, 10 de maio de 2013


AINDA MINHA OJERIZA 
AOS MAIS VENDIDOS
 

Janer Cristaldo

Manifestar publicamente o apreço por algo é ao mesmo tempo manifestar o desapreço por alguma outra coisa. Assim sendo, louvar certas leituras significa condenar outras, e uma crônica sobre algo tão banal como livros pode gerar desafetos. Se manifesto meu fascínio pelo Quixote, claro está que não suporto ler Paulo Coelho. E naturalmente acabo ofendendo quem se compraz com a leitura do mago de araque.

Diga-se o mesmo das viagens. Se conheço as mais belas catedrais da Europa, não serão as cidades históricas de Minas que me receberão meus passos. Mas quem foi apenas a Mariana, Ouro Preto e Tiradentes defenderá com unhas e dentes sua viagem. Paciência! Não vou deixar de dizer o que penso sobre livros ou viagens só porque posso ferir suscetibilidades. Escrever é pôr a alma na vitrine e quem escreve está sujeito a chuvas e trovoadas. 

Ainda há pouco, manifestei meu desapreço pelas listas de livros mais vendidos e até hoje estou recebendo protestos irados. Que best-seller pode ser boa literatura. Era de esperar-se, devo ter ofendido boa parte dos que me lêem. Continuo insistindo: best-seller é lixo. Mas evidentemente há best-sellers e best-sellers. Apanho na rede, aleatoriamente, uma lista dos dez mais vendidos. No caso, a de um tal de James Chapman. Que, diga-se de passagem, nem tenho idéia de quem seja. Como mostragem, serve.

No topo da lista, a Bíblia. 3,9 bilhões de cópias e 440 traduções completas. É claro que um livro que vende há séculos – há mais séculos que qualquer outro – sempre estará no topo da lista. Mas atenção: a Bíblia é livro literário, mas também religioso. Poucos a buscarão como literatura. De modo geral, é imposta como livro religioso. E aí as motivações para compra se embaralharam. Curiosamente, embora seja tida como o livro mais vendido do mundo, jamais a vi encabeçando a lista dos dez mais da semana ou do mês de qualquer jornal ou revista.

É boa ou má literatura a Bíblia? Esta pergunta pouco importa. O que importa em sua leitura é que sem ela não entendemos o Ocidente, seus mitos, crenças e instituições. É leitura obrigatória, livro que não pode faltar em nenhuma biblioteca que se preze. E quem diz isto é um ateu.

Em segundo lugar, o Livro Vermelho, de Mao Tse-Tung, 820 milhões de cópias. Um best-seller, sem dúvida alguma. Mas a China tem mais de um bilhão de habitantes e, nos dias de Mao, certamente era crime rigorosamente punido não ter o livrinho vermelho debaixo do sovaco. Decididamente, não vale como exemplo.

Em terceiro lugar, o Alcorão, com 800 milhões de cópias. Dado discutível, já que os muçulmanos hoje ultrapassam até mesmo a população da China. E os crentes, obviamente, o compram por fanatismo. Se é que o compram. Eu, por exemplo, que nem muçulmano sou, recebi um de graça da embaixada da Arábia Saudita. Não há de ser por qualidades literárias que o Corão vende. É um livro sem pé nem cabeça escrito por um analbabeto. É como se o Lula tentasse escrever uma epopéia. Eu, que me interesso por religiões, sempre emperro em sua leitura. Não vale.

Em quarto lugar, o Quixote, com 500 milhões de cópias. Bom, aí voltamos à literatura e a um livro que vende há quatro séculos. Cervantes não prega nenhuma crença e quem o busca quer prazer literário. De novo, atenção: que seja um dos mais vendidos, até que se entende. Daí a que seja um dos mais lidos, vai uma longa distância. O Quixote é de leitura difícil, particularmente para o homem contemporâneo. É outro daqueles best-sellers curiosos. Se consta das listas de mais vendidos no mundo, jamais o vi na lista dos mais vendidos na semana ou no mês. Nem mesmo na Espanha.

Quinto, Harry Potter, com 400 milhões de cópias. Aí começam os questionamentos. Harry Potter surgiu em 97, seus livros mal têm década e meia de existência. Como podem aproximar-se do Quixote, que tem quatro séculos? Aí já estamos na indústria do best-seller, que vende à custa de publicidade, filmes e videogames. São obras feitas de encomenda para o mercado, que exploram os baixos instintos do grande público. É o que chamo de best-sellers instantâneos. Mal são publicados em um país, duas ou três semanas depois já estão na lista dos mais vendidos. Ora, isso não é tempo para que o livro possa ser devidamente apreciado pelo público. A leitura é inflacionada pela publicidade.

Sexto, O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, com 200 milhões de cópias. Pode ser. O romance é de 1884, teve tempo de juntar leitores. Mesmo assim, fico com minhas dúvidas. Fora alguns espécimes de minha geração nunca vi alguém que tenha lido O Conde. Os Três Mosqueteiros são bem mais populares e volta e meia a televisão reprisa o filme.

Sétimo, O Senhor dos Anéis, de Tolkien, com 103 milhões de cópias. Vá lá, a saga tem mais de meio século. Mas é preciso ser um pouco descerebrado para ler histórias míticas ocorridas numa Europa mitológica, habitada por humanos e outras raças, elfos, anões e orcs. De novo estamos no campo da literatura venal, feita para ser consumida.

Oitavo, O Pequeno Príncipe, de Exupéry, 80 milhões de cópias. Não me espanta. É um livro piegas, que hoje completa sete décadas de carreira, e histórias piegas vendem vem. Exupéry tem obras bem mais interessantes, como Citadelle e Terre des Hommes, mas estes são pouco conhecidos. Terre des Hommes foi traduzido brilhantemente no Brasil como Terra de Machos.

O Pequeno Príncipe era citado infalivelmente por misses quando falavam de suas leituras. Havia, é claro, quem cometesse gafes. Certa vez, uma miss gaúcha, ao citar seus três autores preferidos, mencionou naturalmente Saint Exupéry, Erico Verissimo (gauchidade oblige) e para dar um toque pessoal, citou sua autora preferida, Cassandra Rios. Pegou mal. Se alguém não lembra da Cassandra, eu reavivo sua memória. A moça era lésbica e vendia como pão quente. As páginas de seus livros eram fartas em gemidos e reticências.

Nono, O Alquimista, do imortal Paulo Coelho, honra das letras tupiniquins. Com 65 milhões de cópias. Sem comentários. Para mim, continua sendo um mistério como Coelho rompeu esse mercado exclusivo de ianques e alguns europeus. Décimo, O Codigo da Vinci, uma historieta ridícula de Dan Brown - muito apreciada por aqueles que gostam de ver nos Evangelhos intrigas sexuais que não existem – com 57 milhões de cópias.

Que me desculpem os leitores de best-sellers. Desses dez, li apenas dois. O Conde de Monte Cristo, vi no cinema. O Alcorão, eu o tenho por curiosidade histórica. Mas se não consegui ler até agora, não será até o fim de meus dias que o lerei. E obviamente jamais leria os Tolkiens e Rowlings da vida. Minha adolescência se foi há mais de meio século. 

Sem falar que não se pode comparar livro religioso ou panfleto de ditadura com obra literária. Bíblia, o livrinho do Mao e o Corão não podem estar nessas listas.



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