FOGUEIRA DE LIVROS DÁ
FELICIDADE?
João Eichbaum
joaoeichbaum@gmail.com
São muito
poucas as pessoas que conhecem a Constituição Federal desta terra de samba,
futebol e corrupção (esta mais do aquele, que está indo pro saco, muito antes
da copa). E quando falo em pessoas, falo de todos, inclusive do pessoal de
toga.
Essa
ignorância, como toda a ignorância, tem explicação. Três explicações. Primeira
delas, a deficiência que atinge a maioria absoluta da população, nela se
incluindo bacharéis, mestres, ministros e doutores: o "analfabetismo
funcional".
Para quem
não sabe o que é o "analfabetismo funcional", explico. Segundo
estatística do INAF (Instituto Nacional do Analfabetismo Funcional), 78 % das
pessoas alfabetizadas, embora leiam, não conseguem interpretar o texto lido ou,
conquanto consigam escrever, não sabem transmitir, de modo inteligível e de
conformidade com as regras gramaticais, seu pensamento. Essas pessoas são
"analfabetos funcionais".
A segunda
explicação está no próprio texto constitucional, que não passa de uma colcha de
retalhos, remendada a toda hora, ao sabor de conveniências, acordos bastardos e
improvisos. É um texto que nenhum verdadeiro cientista de Direito
Constitucional elegeria como paradigma. Passa longe de qualquer fundamento científico
nessa área. É por isso que o STF e outros juristas, que não tiveram padrinhos
de alto coturno para vestirem a toga de ministro, deitam e rolam em cima desse
livrinho.
Terceira
explicação: a pusilanimidade.
Tomemos o
caso de um princípio consagrado pela Constituição nos incisos IV e IX do art.
5º e no caput do art. 220 e seu § 2º:
o pleno direito à liberdade de pensamento e à criação literária. Pleno, sem
restrições, vedada expressamente a censura.
Esse direito foi desrespeitado pelo STF por
pusilanimidade, quando proibiu a circulação dos livros da Editora Revisão. Tal
vilipêndio gerou uma filiação bastarda, que se vai proliferando. Volta e meia,
juízos e tribunais têm se ocupado com o clamor de quem quer ver livros ardendo
nas fogueiras de uma "inquisição" ressuscitada especialmente para o
ensejo.
Então,
seja por "analfabetismo funcional", seja por desperdício de razões
que confundem o reto com as têmporas, seja por pusilanimidade, vão para a
fogueira também os textos constitucionais que proibem a censura e garantem a
liberdade de expressão e de criação artística e literária.
A
Constituição, apesar de todos os remendos de acolchoado velho, estabeleceu um
direito que ainda se mantém intátil: o da igualdade. Quer dizer, ninguém
vale mais do que ninguém. Quem morreu não vale mais do que os vivos. Quem ainda
vive não vale mais do que os mortos - salvo para a Fazenda Pública, claro.
E quem se
sentir ofendido por alguma expressão de pensamento terá o direito à reparação.
Mas essa não consistirá na queima dos livros, nem no veto à sua circulação. Para
lavar a alma a Constituição autoriza uma reparação de natureza econômica.
Porque
todos são iguais perante a lei: o escritor tem o direito de escrever, e todos
os cidadãos têm o direito à honra. O direito à honra não elimina o direito de
expressão do pensamento. E o direito de expressão do pensamento não se sobrepõe
ao direito à honra.
Não sei
se uma indenização recompõe a honra e os reveses da alma, não sei se o dinheiro
apaga a dor. Há quem, não contente com isso,
busque a felicidade completa, com dinheiro na conta e livros na fogueira.
É nessa
hora que a gente fica sabendo que é que conhece a Constituição Federal.
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