segunda-feira, 11 de novembro de 2013

TEMA PARA AGATHA CHRISTIE

João Eichbaum

Para caminhar, a velhinha, já no caminho dos noventa, tinha que se valer duma bengala. Conclusão: para sair da horizontal, que certamente não dormia de outro jeito, tinha que se apoiar em alguma coisa, não lhe bastaria dar um salto para sair lépida e faceira de decúbito dorsal.
Pois, certa noite, ouvindo barulho no apartamento, se levantou, pegou um revólver que adormecia sem uso no guarda-roupa, há mais de trinta anos, e saiu atrás de um homem que se movimentava na casa.
Primeira pergunta: tudo isso no escuro?
Segunda pergunta: alguém, que necessita de bengala para caminhar, consegue levantar rapidamente da cama, acender a luz, pegar um revólver, dar de ombros para os oitenta e tantos anos que lhe pesam, e antes que o invasor, um homem de 32 anos, lhe impeça qualquer coisa, desferir-lhe tiros de revólver?
Mas, tem mais. Depois do segundo tiro, já indefeso, o homem caiu e, antes de morrer, teve tempo de ouvir a voz  da velhinha: “toma mais este.”
A velhinha virou manchete, virou heroína. Ninguém a aconselhar a nunca mais reagir. Ninguém se lembrou de analisar todas as circunstâncias para chegar perto de uma verdade difícil de engolir.
Quem não engoliu a história foi a polícia. Submetida a velhinha à análise de resquícios de pólvora nas mãos, nada foi encontrado. Então, diante das circunstâncias, já que não havia outra alternativa, a polícia a indiciou por homicídio, como manda o livrinho.
Só que o livrinho da agente do Ministério Público que recebera o inquérito era outro. No livrinho da promotora não estava escrito que “ se entende por legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários.....
Dar tiro em alguém que está caindo, não tem como reagir, se esvaindo em sangue, é “usar moderadamente dos meios necessários”?
No livrinho da polícia estava escrito que, nessas circunstâncias, não havia legítima defesa, mas no livrinho da promotora, sim.
E mais, no livrinho da promotora não estava escrito que, nos crimes contra a vida, cabe ao júri popular decidir e não ao agente do Ministério Público.
Enfim, a promotora pediu o arquivamento do caso, porque o seu livrinho não era o mesmo da polícia. E o juiz deferiu o arquivamento, porque certamente nunca leu livrinho nenhum.
E a velhinha se safou.
Semana passada, veio o outro capítulo. O apartamento da velhinha pegou fogo e a velhinha morreu carbonizada. Não teve o mesmo reflexo, não atinou com a porta de saída com a mesma destreza com que atinara, pegando o revólver.
Segundo vizinhos, ela teria pedido socorro. Os vizinhos tentaram arrombar a porta, a mesma porta por onde entrara o suposto ladrão, morto pela velhinha, mas não conseguiram.
Tudo teria começado, segundo a perícia, no quarto da velhinha, onde ela costumava acender velas.
Mas, pergunto para vocês: uma vela tem tal poder de fogo numa apartamento, supostamente de alvenaria?
Acho que só a Agatha Christie resolveria...

Nenhum comentário: