TU,
QUE ENLAÇAS NOSS’ALMA A JESUS *
João
Eichbaum
Nós, os da missa das nove, aquela em que o padre
Abílio Sponchiado, com sua voz de barítono italiano, caminhando pela nave maior
da catedral e voltando de costas até a balaustrada, nos prometia o reino dos
céus, jamais nos libertaremos da melodia que, desde aqueles remotos novembros,
nos persegue: o hino da Medianeira. E nos persegue até negativamente, ou
talvez, principalmente por isso: no domingo da romaria não havia a missa das
crianças. Nosso programa dominical ficava riscado dos eventos religiosos.
Naqueles domingos, sempre em meados de novembro, nos
poucos anos em que foi coadjutor da catedral o padre Abílio tinha que se
preparar para a apresentação como “showman” do evento. Desde as oito horas havia
missas para os peregrinos que se concentravam na catedral. Vinham trens
especiais da serra e da fronteira, lotados de gente que tinha fé na Medianeira,
e que ia Avenida Rio Branco acima, esperando, na catedral, o início da
procissão.
E a melodia (sem violões e vozes desafinadas) entrava
pelos ouvidos e se cristalizava em algum lugar especial do cérebro, de tal
forma que, até hoje, jamais se decompôs.
Por essas coisas que o destino escreve e nos coloca
como personagens para executar o seu “script”, conheci o padre Jorge Zanchi. Aquele
bom velhinho, simpático, com voz de trovão e a cabeça dividida entre espaços
brilhantes e cabelos brancos, era vigário em Vale Vêneto. Naquele paraíso
escondido entre montanhas, varrido pelo vento norte de vez em quando, mas dono
de uma paisagem que não se deixa escabelar por qualquer vento, o padre Jorge pastoreava
as almas de buliçosos descendentes de italianos.
Foi ali, onde o sol sempre se esconde, ao final da
tarde, por trás de alguma montanha, permitindo que a montanha da frente projete
uma sombra dominadora sobre aquela, atrás da qual ele some, onde o silêncio é
mais forte do que o luar nas noites frias de julho, e o azul do céu é
incansável nas manhãs de primavera, foi ali que eu conheci o padre Jorge
Zanchi.
Foi ali que eu soube: o padre Jorge Zanchi era o autor
da melodia que me perseguia desde os novembros da minha infância. O padre
Jorge, aquele que vinha assistir nossos jogos juvenis de futebol, nas tardes de
domingo, e nos fazia morrer de rir com anedotas sobre políticos, era dessas
pessoas de cuja capacidade Deus abusa, para fazer coisas maravilhosas, como o
Hino da Medianeira.
No outro lado, quem assinou a letra dessa composição,
não era um vigário ignoto, perdido num rincão qualquer desse Brasil. Dom
Joaquim de Aquino Corrêa, conhecido como dom Aquino Corrêa, era uma figura
badalada nas letras, na comunidade religiosa e na política. Arcebispo de
Cuiabá, foi governador do Mato Grosso, e membro da Academia Brasileira de
Letras, num tempo em que lá não entravam chinelões das letras. Orador respeitável,
artista da palavra, domador da rima e da métrica na poesia, só dom Aquino foi
capaz de produzir coisas maravilhosas como "foi sobre a tarde, quando o
sol declina/hora divina das contemplações/hora do Gólgota, sublime hora/marcada
outrora pelas redenções.”
E, para vivificar a emoção das romarias, lá está sempre
a banda da Brigada Militar, em cujo
conjunto meu ambivalente companheiro de futebol, Jussiê Christofoli
Ferreira, (devolve rechonchudinha a bola que lhe passo quadrada), extrai do
trombone a alma dos mestres que partiram, e nos faz gostar mais da vida,
esquecendo o mundo dos medíocres.
*Esta crônica está sendo publicada hoje no
jornal A Razão, de Santa Maria. Ela é alusiva à romaria da Medianeira, lá
realizada domingo passado, e representa uma homenagem do cronista à fé dos
santamarienses.
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