A LEGALIZAÇÃO DA MACONHA
Carlos Alberto di Franco*
O Uruguai, que já
permitia o consumo de maconha, legalizou a produção e a venda
da droga. A nova lei foi aprovada no Senado por 16 votos a 13 e deverá entrar
em vigor no primeiro semestre de 2014. Pela nova legislação, os uruguaios e
estrangeiros que residem no país e têm mais de 18 anos poderão comprar
até 40 gramas da erva por mês em farmácias credenciadas
pelo governo. Os defensores da liberação, armados de uma ingenuidade
cortante, acreditam que a legalização reduzirá a ação dos traficantes. Mas
ocultam uma premissa essencial no terrível silogismo da dependência química: a
compulsividade. O usuário, por óbvio, não ficará no limite legal. O
tráfico, infelizmente, não vai desaparecer.
A psiquiatra
mexicana Nora Volkow é uma referência na pesquisa da dependência química no
mundo. Foi quem primeiro usou a tomografia para comprovar as
consequências do uso de drogas no cérebro. Desde 2003 na direção do Instituto
Nacional sobre Abuso de Drogas, nos Estados Unidos, Volkow é uma voz
respeitada. No momento em que recrudesce a campanha para a descriminalização
das drogas, suas palavras são uma forte estocada nos argumentos politicamente
corretos.
A cientista foi
entrevistada pela revista Veja, em março de 2010. A revista trouxe à baila um
crime que chocou a sociedade. O cartunista Glauco Villas Boas e seu filho foram
mortos por um jovem com sintomas de esquizofrenia e que usava constantemente
maconha e dimetiltriptamina (DMT), na forma de um chá conhecido como Santo
Daime. "Que efeito essas drogas têm sobre um cérebro esquizofrênico?"
A resposta foi
clara e direta: "Portadores de esquizofrenia têm propensão à paranoia, e
tanto a maconha quanto a DMT (presente no chá do Santo Daime) agravam esse
sintoma, além de aumentarem a profundidade e a frequência das alucinações.
Drogas que produzem psicoses por si próprias, como metanfetamina, maconha e
LSD, podem piorar a doença mental de uma forma abrupta e veloz", sublinhou
a pesquisadora.
Quer dizer, a
descriminalização das drogas facilitaria o consumo das substâncias. Aplainado o
caminho de acesso às drogas, os portadores de esquizofrenia teriam, em
princípio, maior probabilidade de surtar e, consequentemente, de praticar
crimes e ações antissociais. Ao que tudo indica, foi o que aconteceu com o
jovem assassino do cartunista. A suposição, muito razoável, é um tiro de morte
no discurso da ingenuidade.
Além disso, a
maconha, droga glamourizada pelos defensores da descriminalização, é
frequentemente a porta de entrada para outras drogas. "Há quem veja a maconha como uma droga inofensiva",
diz Nora Volkow. "Trata-se de um erro. Comprovadamente, a maconha
tem efeitos bastante danosos. Ela pode bloquear receptores neurais muito
importantes." Pode, efetivamente, causar ansiedade, perda de memória,
depressão e surtos psicóticos. Não dá para entender, portanto, o recorrente
empenho de descriminalização.
Também não serve
o falso argumento de que é preciso evitar a punição do usuário. Nenhum juiz,
hoje em dia, determina a prisão de um jovem por usar maconha. A prisão, quando
ocorre, está ligada à prática de delitos que derivam da dependência química:
roubo, furto, pequeno tráfico, etc. Na maioria dos casos, de acordo com a Lei
n.º 9.099/95, há aplicação de penas alternativas, tais como prestação de
serviços à comunidade e eventuais multas no caso de réu primário.
Caso adotássemos
os princípios defendidos pelos lobistas da liberação, o Brasil estaria
entrando, com o costumeiro atraso, na canoa furada da experiência europeia.
Todos, menos os ingênuos, sabem que, assim como não existe meia gravidez, também
não há meia dependência. É raro encontrar um consumidor ocasional. Existe,
sim, usuário iniciante, mas que muito cedo se transforma em dependente
crônico. Afinal, a compulsão é a principal característica do adicto. Um
cigarro da "inofensiva" maconha preconizada pelos arautos da
liberação pode ser o passaporte para uma overdose de cocaína.
Não estou falando
de teorias, mas da realidade cotidiana e dramática de muitos dependentes.
Transcrevo, caro leitor, o depoimento de um dependente químico. Ele fala com a
experiência de quem esteve no fundo do poço.
"Sou filho
único. Talvez porque meus pais não pudessem ter outros filhos, me cercavam de
mimos e realizavam todas as minhas vontades. Aos 12 anos comecei a fumar
maconha, aos 17 comecei a cheirar cocaína. E perdi o controle. Fiz um
tratamento psiquiátrico, fiquei nove meses tomando medicamentos e voltei a
fumar maconha. Nessa época, já cursava medicina e convenci os meus pais
de que a maconha fazia menos mal que o cigarro comum. Meus argumentos
estavam alicerçados em literatura e publicações científicas.
Eles mal sabiam
que estavam sendo enganados, pois, além de cheirar, também passei a injetar
cocaína e dolantina, que é um opiáceo. Sofri uma overdose e só não morri porque
estava dentro de um hospital, que é o meu local de trabalho. Após essa
fatalidade, decidi me internar numa comunidade terapêutica e, hoje, graças a
Deus, estou sóbrio. O uso moderado de maconha sempre acabava nas drogas
injetáveis. Somente a sobriedade total, inclusive do álcool, me devolveu a
qualidade de vida que não pretendo trocar nem por uma simples cerveja ou uma
dose de uísque." A.S.N., médico de Ribeirão Preto (SP), é ex-interno da
Comunidade Terapêutica Horto de Deus (www.hortodedeus.org.br).
As drogas estão
matando a juventude. A dependência química não admite
discursos ingênuos, mas ações firmes e investimentos na prevenção e na
recuperação de dependentes. A todos, um feliz Natal!
*Carlos Alberto Di Franco é Doutor em Comunicação pela Universidade
de Navarra e membro do Departamento Internacional de Ciências Sociais.
Originalmente publicado no Estadão em 23 de Dezembro de 2013 e posteriormente
em Alerta Total.