quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

DEPOIS DO NATAL

João Eichbaum

Bom. Agora que Jesus nasceu, depois daquela correria toda, o povão entupindo lojas, ruas, supermercados e estacionamentos ou se mandando pra praia, levando a sogra e a bicicleta das crianças, porque é Natal e Natal é coisa de família, depois do porre de mistura de cerveja com espumante barato, depois dos abraços e lágrimas e “Noite Feliz”, e o pessoal agora comendo resto de peru com farofa, vamos para as páginas policiais.
Não as páginas policiais de hoje, que é tudo a mesma coisa, droga, acidentes, assaltos, dilúvio em Minas Gerais, morte de tudo quanto é jeito. Vamos para as páginas policiais do passado, para conferir o que aconteceu logo depois do nascimento do Jesus.
Está escrito em Mateus, capítulo 2, versículo 1 a 18, que uns magos sem noção vieram do Oriente até Jerusalém, e começaram a pedir informações sobre o “rei dos judeus” que havia nascido, mas não sabiam onde. Contavam que tinham visto “sua estrela no oriente e estavam ali a fim de adorá-lo”.
A conclusão da gente é de que a tal de estrela tinha parado exatamente em cima de Jerusalém, e também estava meio perdida, porque não era ali que estava o Jesus.
Como ninguém sabia coisa nenhuma, e um perguntava pro outro, a conversa chegou até Herodes. E o Herodes, que era a maior puxassaco do imperador Otaviano, intitulado Augusto e filho de deus (divi filius) ficou com uma pulga na orelha: opa, rei dos judeus? Não to a fim de perder essa mamata de tretarca da Galiléia.
Na época, Israel estava sob o domínio de Roma, e Herodes, que nem judeu era, tinha arranjado aquela mamata de manda-chuva com o Augusto. Sim, sim, muito antes do PT já existia isso de ajeitar um cargo pro companheiro. Com a história do “rei dos judeus”, ele sentiu a truta, podia voar fora. Então chamou os sacerdotes e outros entendidos em religião judaica, para saber do “rei dos judeus”.
-Vai nascer em Belém – informou a turma. Está na bíblia.
E aí o Herodes mandou chamar os magos e se fez de morto pra ganhar sapato novo: olha, o reizinho aquele vai nascer em Belém. Quando voltarem, me façam uma visita e me informem, que eu adoro crianças e quero ir lá também adorar o garotão.
Mas, os magos, depois de entregarem os presentes de Natal, já que a Maria não tinha feito chá de fralda, tiveram a revelação divina de que o Herodes estava com más intenções e deviam tomar outro caminho, ao invés de voltarem por Jerusalém.
E aí aconteceu o que todo mundo sabe: o Herodes mandou capar, ops, mandou decapitar tudo quanto era guri, com menos de dois anos, por via das dúvidas, já que não tinha sido informado sobre o paradeiro do “rei dos judeus”.
Gozado né? Deus não mostrou pros magos onde estava o menino Jesus, mas lhes soprou nos ouvidos que  evitassem o Herodes na volta!
É de narrativas bíblicas como essa que o racionalismo ateu extrai argumentos para afirmar que a divindade judaico-cristã, não passa de ente mitológico. Deus nenhum cometeria tal ignomínia, sacrificando inocentes, para salvar o seu “filho”. Das duas uma: ou não tinha poder para evitar o massacre, ou tinha esse poder e não quis usá-lo. Na primeira hipótese, foi impotente. Na segunda, foi sádico.
 Não existe deus com tais defeitos. Nada que um infartozinho no Herodes não resolvesse. E pior: a história até hoje faz muita gente pensar no tetrarca da Galiléia, toda a vez que um bebê, lá no apartamento de cima, acorda o edifício inteiro com berros e grunhidos. Aí vizinhança é acometida pelo desejo de que chorão tivesse sido contemporâneo do menino Jesus.


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