segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

VIREI VIDRAÇA

João Eichbaum

. De apedrejador virou vidraça o colunista, que vive de censurar a Deus e a todo mundo, como se fosse a palmatória desse último. Arsênio Becker, de Brasília, garimpando a crônica “Os doutores e seus dialetos”, botou seu preciosismo a pinçar impropriedades. Na frase “desde que as universidades passaram a ser avaliadas pelo Ministério da Educação a partir do número de mestres e doutores que dispõem no quadro docente”, diz ele que colocaria um “de” antes do “que”: “de que dispõem”; ao invés de “para explicar porque não possuimos uma universidade...”, escreveria “por que não possuímos uma universidade”; e usaria a ênclise “dispenso-me”, ao invés da próclise “me dispenso”, na frase “me dispenso de enumerar as razões...”. Por fim, repele a afirmação de que o desconhecimento do latim e do grego é responsável pela dificuldade de emitir juízos e conceitos, dizendo que “o treinamento em Lógica também faz falta.”
Todo mundo sabe que os idiomas evoluíram, que os vocabulários, em qualquer língua moderna, vencidos pela tecnologia, estão correndo atrás da máquina. Muitas das regras do vernáculo hoje estão mais para a história do que para o uso cotidiano. Alguém sabe, por exemplo, o que foi feito da “métrica”? Alguém, hoje em dia, usa mesóclise? E os verbos defectivos? Quem lhes inibe a flexão nos dias de hoje? Quem se escandaliza com o “tu” e o “você” agarradinhos no mesmo texto?
Nunca esteve tão vivo aquele princípio ontológico que preside à evolução de qualquer idioma: “ quem cria a língua é o povo”. O povo, não os gramáticos (nem os “doutores”). E mais: a gramática não é bruxa para escapar de uma regra básica: “o desuso atrofia”.
Hoje, nem os textos acadêmicos respeitam o rigor da gramática, e a crônica, escrita às vezes sob aqueles porres de vomitar na sogra, vai de qualquer jeito pro jornal.
Mas, reptado pela crítica, despejei meu texto na batéia, e deu no que segue.
O verbo “dispor” é transitivo. As universidades podem “dispor (colocar, coordenar) mestres” no seu quadro docente. Por que não? Onde sofre a gramática com essa construção? Mas podem também “dispor de mestres” de seu quadro em serviços de secretaria, por exemplo. O “de” aí tem sentido restritivo: nem todos os mestres farão tais serviços.
Na frase “nem preciso gastar vocabulário também para explicar porque não possuimos uma universidade...”, o “porque” é uma conjunção causal subordinativa, tem que ser uma palavra só. A expressão “por que” é separada quando designa o advérbio interrogativo de causa (por que não possuímos universidades?; quero saber por que não possuímos universidades) ou quando o “que” exerce o papel de pronome relativo, precedido pela preposição “por”, e pode ser substituído por “o qual, a qual”. Não é o caso do texto censurado onde o “ porque” é conjunção e não advérbio, nem pronome relativo.
Dizer “me dispenso de enumerar as razões” não fere regra alguma do vernáculo. Mas “dispenso-me de enumerar as razões” fere os ouvidos, com aquela suruba cacofônica de “ labiais e dentais”.
O desconhecimento do latim e do grego não é a causa “exclusiva” da pobreza dialética, mas sua causa genetriz. Haveria filosofia sem os fundamentos gregos? Lógica não tem raiz etimológica em “logos”?
Desculpem, mas tive que fazer essa crônica chata, para consertar minha vidraça espatifada. Senão, escrevendo mal desse jeito, a turma ia começar a me tratar por “doutor”.




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