VIREI
VIDRAÇA
João
Eichbaum
. De apedrejador virou
vidraça o colunista, que vive de censurar a Deus e a todo mundo, como se fosse
a palmatória desse último. Arsênio Becker, de Brasília, garimpando a crônica
“Os doutores e seus dialetos”, botou seu preciosismo a pinçar impropriedades.
Na frase “desde que as universidades passaram a ser avaliadas pelo
Ministério da Educação a partir do número de mestres e doutores que dispõem no
quadro docente”, diz ele
que colocaria um “de” antes do “que”: “de que dispõem”; ao invés de “para explicar porque não
possuimos uma universidade...”, escreveria “por que não possuímos uma universidade”; e usaria a ênclise “dispenso-me”, ao
invés da próclise “me dispenso”, na frase “me
dispenso de enumerar as razões...”. Por fim, repele a afirmação de que o desconhecimento do latim e do grego é
responsável pela dificuldade de emitir juízos e conceitos, dizendo que “o treinamento em Lógica também faz falta.”
Todo mundo sabe que os
idiomas evoluíram, que os vocabulários, em qualquer língua moderna, vencidos
pela tecnologia, estão correndo atrás da máquina. Muitas das regras do
vernáculo hoje estão mais para a história do que para o uso cotidiano. Alguém
sabe, por exemplo, o que foi feito da “métrica”? Alguém, hoje em dia, usa
mesóclise? E os verbos defectivos? Quem lhes inibe a flexão nos dias de hoje?
Quem se escandaliza com o “tu” e o “você” agarradinhos no mesmo texto?
Nunca esteve tão vivo
aquele princípio ontológico que preside à evolução de qualquer idioma: “ quem
cria a língua é o povo”. O povo, não os gramáticos (nem os “doutores”). E mais:
a gramática não é bruxa para escapar de uma regra básica: “o desuso atrofia”.
Hoje, nem os textos
acadêmicos respeitam o rigor da gramática, e a crônica, escrita às vezes sob
aqueles porres de vomitar na sogra, vai de qualquer jeito pro jornal.
Mas, reptado pela crítica,
despejei meu texto na batéia, e deu no que segue.
O verbo “dispor” é
transitivo. As universidades podem “dispor (colocar, coordenar) mestres” no seu
quadro docente. Por que não? Onde sofre a gramática com essa construção? Mas
podem também “dispor de mestres” de seu quadro em serviços de secretaria, por
exemplo. O “de” aí tem sentido restritivo: nem todos os mestres farão tais
serviços.
Na frase “nem preciso
gastar vocabulário também para explicar porque não possuimos uma
universidade...”, o “porque” é uma
conjunção causal subordinativa, tem que ser uma palavra só. A expressão “por
que” é separada quando designa o advérbio interrogativo de causa (por que não possuímos universidades?; quero saber por que não possuímos universidades) ou quando o “que” exerce o papel de
pronome relativo, precedido pela preposição “por”, e pode ser substituído por
“o qual, a qual”. Não é o caso do texto censurado onde o “ porque” é conjunção
e não advérbio, nem pronome relativo.
Dizer “me dispenso de enumerar as razões” não fere regra
alguma do vernáculo. Mas “dispenso-me de enumerar as razões” fere os ouvidos,
com aquela suruba cacofônica de “ labiais e dentais”.
O desconhecimento do latim e do grego não é a causa
“exclusiva” da pobreza dialética, mas sua causa genetriz. Haveria filosofia sem
os fundamentos gregos? Lógica não tem raiz etimológica em “logos”?
Desculpem, mas tive que fazer essa
crônica chata, para consertar minha vidraça espatifada. Senão, escrevendo mal
desse jeito, a turma ia começar a me tratar por “doutor”.
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