OS DOUTORES E SEUS DIALETOS
João Eichbaum
Doctus, em latim, significa "instruído, sábio". Doctior é a forma usada no grau
comparativo para designar pessoa “mais sábia, mais instruída”. O adjetivo
comparativo se forma com a substituição do “i” ou do “is”, do
genitivo, pelo sufixo “ior”. Assim, o adjetivo doctus, que no
genitivo singular é flexionado como docti, assume a forma doctior
no comparativo.
Daí provém a palavra “doutor” na língua
portuguesa, doktor em alemão, doctor em inglês, docteur em francês, dottore
em italiano, doctor em espanhol.
Lamentavelmente, hoje já não existem, no
Brasil, “doutores”, no sentido de “mais sábios, mais instruídos”.
Desde que as universidades passaram a ser
avaliadas pelo Ministério da Educação a partir do número de mestres e doutores
que dispõem no quadro docente, esses títulos passaram a seduzir muita gente.
Sendo a pontuação no MEC a melhor publicidade com que podem contar as
universidades privadas, essas se puseram a campo, plantando “doutores” onde
podiam, não só para tê-los como titulares de cadeiras, como para “chocarem”
novos doutores. Nem que fosse doutor em catecismo.
O resultado é que temos hoje, no solo
pátrio, “doutores” para todos os gostos e todos os gastos. E como todos eles
foram gestados num ensino fundamental e médio de baixa qualidade, o que os
distingue dos demais “sábios” é apenas o título e não o grau de sabedoria. Eles
não são “mais sábios” do que seus discípulos, porque a base da formação de uns
e outros é a mesma.
Como pode ser considerada “doutor” uma
pessoa com deficiência de formação humanística? De que recursos de didática
poderá se valer um “doutor” se lhe faltam recursos de linguagem?
Agora, cheguei ao ponto: os “doutores” de
hoje em dia não sabem escrever, não sabem se expressar, têm enormes
dificuldades para emitir juízos de valor e formular conceitos. Por uma razão
muito simples: não têm conhecimentos de grego clássico e latim.
Despojados dos instrumentos que somente
esses dois idiomas são capazes de fornecer, os “doutores” modernos só sabem
circunavegar em torno de conceitos, sem lhes extrair do âmago uma definição
apropriada. E com digressões e tergiversações, se enredam no subjetivismo
platônico dum grego que não conhecem. Por isso, espancam sem dó nosso vernáculo,
de cuja genética não têm a mais quenga idéia.
Dias desses, no meu blog, comentando
artigo escrito por um “doutor”, que obteve graduação em Faculdade de Direito
privada do interior do Estado e hoje desempenha papel de eminência no mundo
jurídico, transcrevi o seguinte excerto, de sua lavra: “não podemos
etnologicizar em excesso o coletivo, olvidando que este somente terá sentido
se, em última análise, estiver a serviço da realização, em alteridade, da
pessoa humana”.
“Etnologicizar o
coletivo”? O que é isso? Transformar em etnologia o pobre adjetivo, solteiro,
perdido no obtuso texto, sem substantivo? E olhem que o tema do artigo não era
a etnologia!
Em duas linhas, o doutor
infligiu no vernáculo a maior surra! Nem os bíblicos homens de boa vontade
entendem o que ele quis dizer. A pobreza de vocabulário, por deficiência da
formação humanística, levou-o a abortar horripilante neologismo, transformando
sua idéia num apagado fantasma.
Se o paradigma da
sabedoria dos brasileiros são esses doutores e seus dialetos, me dispenso de
enumerar as razões pelas quais o Brasil rodou no “Programme
for International Student Assessment” – PISA, tendo ficado
atrás de países como Azerbaijão e Albânia. Nem preciso gastar vocabulário
também para explicar porque não possuimos uma universidade sequer, figurando
entre as duzentas melhores do mundo.
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