quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

OS  DOUTORES E SEUS DIALETOS
João Eichbaum

Doctus, em latim, significa "instruído, sábio". Doctior é a forma usada no grau comparativo para designar pessoa “mais sábia, mais instruída”. O adjetivo comparativo se forma com a substituição do “i” ou do “is”, do genitivo, pelo sufixo “ior”. Assim, o adjetivo doctus, que no genitivo singular é flexionado como docti, assume a forma doctior no comparativo.
Daí provém a palavra “doutor” na língua portuguesa, doktor em alemão, doctor em inglês, docteur em francês, dottore em italiano, doctor em espanhol.
Lamentavelmente, hoje já não existem, no Brasil, “doutores”, no sentido de “mais sábios, mais instruídos”.
Desde que as universidades passaram a ser avaliadas pelo Ministério da Educação a partir do número de mestres e doutores que dispõem no quadro docente, esses títulos passaram a seduzir muita gente. Sendo a pontuação no MEC a melhor publicidade com que podem contar as universidades privadas, essas se puseram a campo, plantando “doutores” onde podiam, não só para tê-los como titulares de cadeiras, como para “chocarem” novos doutores. Nem que fosse doutor em catecismo.
O resultado é que temos hoje, no solo pátrio, “doutores” para todos os gostos e todos os gastos. E como todos eles foram gestados num ensino fundamental e médio de baixa qualidade, o que os distingue dos demais “sábios” é apenas o título e não o grau de sabedoria. Eles não são “mais sábios” do que seus discípulos, porque a base da formação de uns e outros é a mesma.
Como pode ser considerada “doutor” uma pessoa com deficiência de formação humanística? De que recursos de didática poderá se valer um “doutor” se lhe faltam recursos de linguagem?
Agora, cheguei ao ponto: os “doutores” de hoje em dia não sabem escrever, não sabem se expressar, têm enormes dificuldades para emitir juízos de valor e formular conceitos. Por uma razão muito simples: não têm conhecimentos de grego clássico e latim.
Despojados dos instrumentos que somente esses dois idiomas são capazes de fornecer, os “doutores” modernos só sabem circunavegar em torno de conceitos, sem lhes extrair do âmago uma definição apropriada. E com digressões e tergiversações, se enredam no subjetivismo platônico dum grego que não conhecem. Por isso, espancam sem dó nosso vernáculo, de cuja genética não têm a mais quenga idéia.
Dias desses, no meu blog, comentando artigo escrito por um “doutor”, que obteve graduação em Faculdade de Direito privada do interior do Estado e hoje desempenha papel de eminência no mundo jurídico, transcrevi o seguinte excerto, de sua lavra: “não podemos etnologicizar em excesso o coletivo, olvidando que este somente terá sentido se, em última análise, estiver a serviço da realização, em alteridade, da pessoa humana”.
“Etnologicizar o coletivo”? O que é isso? Transformar em etnologia o pobre adjetivo, solteiro, perdido no obtuso texto, sem substantivo? E olhem que o tema do artigo não era a etnologia!
Em duas linhas, o doutor infligiu no vernáculo a maior surra! Nem os bíblicos homens de boa vontade entendem o que ele quis dizer. A pobreza de vocabulário, por deficiência da formação humanística, levou-o a abortar horripilante neologismo, transformando sua idéia num apagado fantasma.
Se o paradigma da sabedoria dos brasileiros são esses doutores e seus dialetos, me dispenso de enumerar as razões pelas quais o Brasil rodou no “Programme for International Student Assessment  PISA, tendo ficado atrás de países como Azerbaijão e Albânia. Nem preciso gastar vocabulário também para explicar porque não possuimos uma universidade sequer, figurando entre as duzentas melhores do mundo.


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