ENTRA ANO E SAI ANO...
João Eichbaum
Começo o ano 2014 atravessado pela
inspiração de fazer o que toda a imprensa faz: retrospectiva.
Só que a minha retrospectiva não começa no
ano de 2013. Vai mais longe, muito longe, quinhentos e oito anos antes daquele
Natal que a Sagrada Família teve que passar numa gruta, por causa da ocupação plena
da rede hoteleira de Belém – me desculpe
o Espírito Santo, que podia ter dado uma mãozinha.
Volto ao tempo de Clístenes. Clístenes foi
um dos construtores da chamada “demokratia”, o sistema de governo que,
teoricamente, seria o “governo do povo pelo povo”. Na verdade, a “demokratia”
de Clístenes não era bem democracia. Ela apenas permitia a um maior número de
cidadãos a participação na “Ekklesia”.
“Ekklesia” para os gregos não significava
Igreja. A “Ecclesia” romana é que foi transformada, não sei por que cargas
d’água, em Igreja. Na Grécia antiga, “Ekklesia” era a Assembléia do Povo, tipo
assim câmara de vereadores ou de deputados, mas sem a prostituição da consciência.
O que fez Clístenes foi ampliar a
participação popular, da qual, porém, muita gente ainda ficou excluída. Em todo
o caso, para neutralizar a influência da aristocracia, a predominância das
famílias privilegiadas e mais abastadas, a “demokratia”, como diz o
pessoalzinho progressista, foi um “avanço”.
Desde então, a palavra democracia passou a
ser uma coisa linda, coisa tipo assim, não é apenas uma palavra, mas um estado
de espírito, a salvação de todos os males, a concentração de todas as verdades,
virtudes e belezas do ser humano, com as bênçãos dos deuses.
Temperada, séculos e séculos depois, com
“liberdade, igualdade e fraternidade”, a democracia então atingiu o seu auge,
investindo em guilhotinas e forcas. E aí, rolaram cabeças, no verdadeiro
sentido da expressão. Na democracia erigida em nome da liberdade, ninguém teve
liberdade para ser anti-democrata ou desadaptado do sistema. Da fraternidade,
em nome da qual foi construída a democracia, não restou nem lembranças.
E a democracia inventada por Clístenes,
que não era lá grande coisa, foi ficando pior ainda, foi se degenerando em nome
de interesses, em nome da ambição pelo poder. E deu monarquia cruzando com
democracia, democracia cruzando com ditadura, democracia de tudo quanto é
jeito, com o poder, cozido num caldeirão de interesses, cada vez mais distante
da vontade popular.
No Brasil particularmente, introduzindo a
suruba franciscana do “é dando que se recebe”, a democracia se transformou numa
espécie de meretriz dos sistemas de governo. Interesses pessoais e corporativos
recebem o nome de “partido político” e a partir daí se faz qualquer negócio, se
troca apoio, voto, seja lá o que for por ministérios, secretarias, lideranças,
empregos para parentes, amigos e amantes, tudo em nome da democracia. No concerto nacional a política
não passa de cloaca do voto.
Fiquemos só com o exemplo do Renan
Calheiros. Cabresteando a maioria dos votos num Estado que quase nada significa
para a riqueza nacional, o alagoano faz e acontece impunemente com o dinheiro
daqueles que realmente contribuem para a manutenção do Estado Brasileiro. Da
pensão para a ex-amante aos fios de cabelos implantados, o Renan Calheiros é o
protótipo da deterioração da idéia de democracia. Já provou que é
irrecuperável. Entra ano e sai ano, ele, o Sarney, o Collor, o Henrique Alves e
todos os donos da república norte-nordestina,
que coloniza o Brasil, continuam se arrumando à nossa custa. Enquanto eles não
saírem de campo, não será o ano novo que irá melhorar a nossa vida.
De modo que só depois da copa, das
eleições, das festas, da praia, do carnaval, em março de 2015, como diz meu amigo Tacho,pode ser que
tenhamos um feliz ano novo, com glórias, aleluias e espumante.
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