SABE COM QUEM TÁ FALANDO?
João Eichbaum
Não é o cargo que dignifica o homem. Não
é a investidura em importante cargo público que torna o macaco homem mais
respeitável, mais sábio, mais digno, menos idiota, menos imbecil, menos animal.
Não é por ter recebido poderes que
alguém, de repente, por milagre, ou pela força do cargo em si, se transforme,
se despoje de todos os defeitos humanos, se torne um ente quase celestial,
imune às misérias fisiológicas e aos assaltos da estupidez. Mas, o contrário
acontece. E com indesejável freqüência. O João Ninguém, que teve a sorte de
passar no concurso de juiz, de promotor, de delegado de polícia ou,
apadrinhado, vestiu a toga de desembargador ou ministro, se sente o máximo e
sai atropelando a todos os míseros mortais que ousem se lhe atravessar no
caminho.
Uma lista de A até Z seria infindável,
se fossem enumerados todos os casos de abusos de autoridade, de empáfia, de
atropelamento das regras de convivência, gerados pela embriaguez de poder dos
intocáveis.
No ano passado, um ministro do Superior
Tribunal de Justiça, investido na presidência daquele órgão, armou o maior
barraco nos corredores da Corte, gritando contra um estagiário que ousara
chegar muito perto de sua excelência, na fila do “caixa automático”.
Desprezando todas as normas de direito administrativo e constitucional e
ignorando o respeito devido para com os subordinados, o então presidente do STJ
demitiu na hora, ao vivo, a cores, e aos berros o pobre estagiário.
Desde o fim da semana passada, um vídeo
que circula na Internet e as manchetes de vários jornais mostram mais um desses
surtos histéricos do poder. Entre os clientes que desfrutavam seu “”happy hour”
na padaria Mercatto, em Natal, Rio Grande do Norte, se encontrava Sua
Excelência, o senhor desembargador Dilermando Motta. Sentindo maculada sua
glória pela falta de atenção do garçom, que não lhe pusera gelo no copo, o
meritíssimo subiu nos tamancos e destratou publicamente a humilde criatura.
Segundo as notícias, o magistrado ainda “puxou o garçom pelo ombro e exigiu que lhe olhasse nos
olhos e o tratasse como excelência, acrescentando que deveria “quebrar o copo
em sua cara”.
Nessa altura, caíram os
butiás do bolso do empresário Alexandre Azevedo, que se encontrava presente, e
resolveu sair em defesa do garçom. Sem “data venias” e preliminares, pespegou no
desembargador os atributos de “safado” e “sem vergonha”. O figurão da toga não
deixou por menos e despachou liminar de ofício, chamando o empresário de “
cabra safado”, a tiracolo de um adjetivo bíblico: “endemoniado”. Tudo
obedecendo ao princípio da oralidade.
Entre o mar e o rochedo, o
pobre garçom caiu em depressão, não se sentiu em condições de continuar
trabalhando e foi dispensado pelos patrões, que o apoiaram, até se recuperar do
episódio. Já o desembargador, do alto do monumento erguido em homenagem ao
próprio ego, ameaçou com “ medidas judiciais.”
Alguém precisa dizer, aos cáusticos e
intratáveis, que a qualidade das pessoas está nelas mesmas e não no cargo que
ocupam. O cargo não as dignifica, mas elas têm obrigação de dignificar o cargo.
Um comentário:
Caro cronista:
Dos dois casos referidos, conhecia o primeiro, ao que consta, já arquivado o procedimento investigatório. O segundo li como absoluta novidade e me estarreceu. Ambos os casos, tendo por verdadeiros os fatos, assim como narrados, são paradigmáticos, acordes com o dito: Todo o poder corrompe etc. Mais chocante é o abuso do poder quando proveniente de pessoas "com obrigação de dignificar o cargo" que exercem, e o deslustram. Cumprimentos pela crônica.
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