DEMOCRACIA: O DEVER DE
ESCOLHER QUEM NOS FERRA
João Eichbaum
Pela ordem: o tacape, o
mito e o embuste. Foram os três instrumentos de que se valeu o homem, sempre,
até hoje, para assumir o poder sobre os da sua espécie.
Tudo por culpa do
instinto gregário do animal: foi por causa dessa verdade natural que
nasceu o poder. É claro que o agrupamento de muitos animais da mesma espécie
impõe regras exigidas pela sobrevivência, o instinto maior dos indivíduos. O
poder se fez necessário, porque os primatas, atrelados à força gregária, se
entregaram tanto àquele ato gostoso da reprodução, se multiplicaram tanto e
chegaram a um ponto tal, que foi preciso organizar a bagunça.
Tudo começou com o
tacape, para tirar da liça o adversário que pretendesse o poder. Quer como
instrumento perfurante ou contundente, quer na forma de humanos feitos senhores
da vida e da morte pela força dos exércitos.
Ao poder conquistado
pelo tacape, seguiu-se o poder abocanhado pelo mito e pelo embuste.
O mito é aquela coisa
que ninguém explica: a herança do poder, os reis indicados ou escolhidos por
Javé no antigo testamento, por exemplo. E não escapa dessa ideia de mito também
o poder aristocrático e o das oligarquias, antecedentes do embuste da
democracia de Drácon, Péricles e Clístenes.
Essa democracia nascida
em Atenas não passou de empulhação. Ela só usou o nome do povo para esfarinhar
o poder dos aristocratas, substituindo-os por outros privilegiados. O vulgo,
que é o “demo”, lhe empresta uma falsa etimologia. E dessa falácia a democracia
nunca se livrou. O povo continua de fora. Não é ele que escolhe os pretendentes
ao poder. Não é ele que faz a triagem. São os partidos políticos e as leis
criadas pelos próprios interessados em se manter no poder. Alguém do povo,
iletrado e pobre, que chegar ao poder por acaso, se transformará em palestrante
internacional sábio e rico. E deixará de ser povo.
Então, democracia é
isso: o povo é obrigado a escolher, entre meia dúzia de gatos pingados que lhe
empurram goela abaixo, quem vai ficar com o dinheiro, (fruto do trabalho do povo)
quem vai dizer o que o povo pode ou não pode fazer.
Essa é a democracia,
metáfora cheia de novelas e discursos, que se usa para designar o poder dos
espertalhões. É em nome dela que mofamos nas filas do SUS, nas filas dos
bancos, nas filas das repartições públicas, nas filas dos pedágios, nos
engarrafamentos. É em nome dela que somos mal pagos, carregados como gado,
apertados e bolinados no metrô, nos trens, nos ônibus, que somos obrigados a
engolir sapos e a meter o rabo entre as pernas. É o nosso dever de escolher
quem vai nos ferrar, quem vai lavar a égua à nossa custa, quem vai continuar a
nos deixar sem segurança, fazendo leis para proteger bandidos, sem educação,
sem saúde, sem emprego, sem moradia, sem comer bombom antes de dirigir, e sem o
elementar direito de levar o tacape de fogo na cintura ou na bolsa. Negado para
quem quer o direito à vida, o tacape só é permitido para quem quer se manter no poder.
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